Roda de Conversa

04/11/2024 - 17:20 - 18:50
RC2.6 - Violencia, Gênero e Saúde

51590 - NOTIFICAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MULHERES RURAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ANTES E DURANTE A PANDEMIA
MICHELLE BERNARDINO - ENSP/FIOCRUZ, LUCIANE STOCHERO - ENSP/FIOCRUZ, LIANA WERNERSBACH PINTO - ENSP/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
Durante a pandemia de COVID-19, poderes públicos incentivaram o isolamento social para frear a cadeia de transmissão do vírus. As mulheres que vivem em contextos rurais já são uma população isolada, ficando ainda mais afastadas do convívio social em tempos de pandemia. Além disso, sofreram com o fechamento das feiras e cortes dos recursos destinados às compras institucionais, trazendo um impacto financeiro, além da sobrecarga de trabalho e de cuidados de outras pessoas (Jalil, 2021).
A violência sexual, segundo a Lei Maria da Penha (Brasil, 2006), corresponde aos atos praticados sem o consentimento da outra parte, gerando constrangimento, manutenção ou participação em relações sexuais por meio da coação da mulher. O controle da sexualidade feminina, o consentimento e os “deveres conjugais” da mulher para com o homem estão ancorados numa cultura patriarcal que faz com que a violência sexual não seja vista pelo homem propriamente como tal, e a mulher fica condicionada a assumir sentimentos de culpa e vergonha moral, deixando de falar sobre o assunto ou de procurar ajuda. Essa violência traz consequências graves para a saúde física e emocional das mulheres e marca profundamente suas vidas (Sousa, 2017; Klanovicz; Pereira, 2021).


Objetivos
Analisar os registros de notificação da violência sexual de mulheres rurais do estado do Rio de Janeiro no período antes (2018-2019) e durante a pandemia de COVID-19 (2020-2021) e descrever os casos segundo perfil das mulheres, autoria da violência, local de ocorrência, tipo de violência sexual, procedimentos realizados e encaminhamentos.


Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo, utilizando dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Foram eleitos os casos de mulheres de todas as idades, pertencentes a zona rural do estado do Rio de Janeiro, no período de 2018-2021. Foi realizada uma análise descritiva, a partir de frequências absolutas e relativas, das características sociodemográficas da população de estudo e das características dos eventos de violência. Os períodos antes da pandemia de COVID-19 (2018 e 2019) e durante (2020 e 2021) foram comparados através do teste Qui-Quadrado considerando o p-valor <0,05 para a verificação da homogeneidade das frequências. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fiocruz, em 17/07/2023 sob o parecer n. 6.185.793. Utilizou-se o programa R versão 4.3.3 para as análises.


Resultados e Discussão
Os casos de violência sexual, especificamente, correspondem a 92 (7,0%) do total de 1.346 notificações de violência contra mulheres rurais do Rio de Janeiro no período entre 2018 e 2021. As notificações de violência sexual aumentaram de maneira estatisticamente significativa durante a pandemia, passando de 34 para 58 (p=0,01) notificações. Os tipos de violência sexual mais notificados foram o estupro (78,1%) e o assédio sexual (41,3%), sendo 51,0% dos estupros notificados durante a pandemia, e 79,0% dos assédios durante a pandemia, um aumento estatísticamente significativo. Houve também um aumento significativo (p=0,04) nas notificações entre as mulheres solteiras durante a pandemia, passando de 33% para 67,0%, ao contrário das casadas que passou de 57,0% para 43%.
A maioria das notificações situam a idade da mulher entre 20 e 29 anos de idade (21,7%), 30 e 39 anos e 10 a 19 anos (20,6%). Em sua maioria eram brancas (31,5%), pardas (28,3%) e pretas (17,4%), principalmente solteiras (43,3%) ou em relação estável (15,6%). Com relação à escolaridade, a maioria tinha a quinta à oitava série incompleta (13,5%) ou o ensino médio completo (12,4%).
A maior parte da violência sexual foi à noite (51,4%) e 40,5% relataram já ter ocorrido outra vez. Com relação ao autor da violência sexual, a maioria era do sexo masculino (88,0%), sendo, principalmente, desconhecidos e conhecidos (16,3% cada), cônjuge (12,0%) ou ex-cônjuge (8,7%). Os principais locais de encaminhamentos foram a rede de saúde (56,9%), conselho tutelar (29,4%), outras delegacias (23,9%) rede de assistência social (18,5%), rede de atendimento à mulher (16,3%), e delegacia de atendimento à mulher (10,9%), podendo a vítima ser encaminhada a mais de um lugar.


Conclusões/Considerações finais
Houve um aumento nos casos de violência sexual contra mulheres rurais durante a pandemia com relação aos dois anos anteriores. A notificação realizada pelos profissionais de saúde, constitui um elemento-chave na atenção integral às mulheres, retirando os casos de violência da invisibilidade, prevenindo a violência de repetição e permitindo que a rede de proteção e de garantia de direitos seja acionada e se articule (Brasil, 2011). É ainda incerto se os dados que vemos refletem também os níveis de violência reais. Dado que mais momentos excepcionais como este podem vir a ocorrer, é fundamental que o poder público crie mecanismos para proteger as mulheres dentro de suas próprias casas, pois este não é um local seguro para elas.


Referências
Brasil. Lei 11.340, de 7/08/06. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília, 2006. Brasil. Portaria 104, de 25/01/11. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no RSI 2005, a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Brasília, 2011. Klanovicz LRF, Pereira CAT. Violência sexual conjugal: gênero e transgeracionalidade em histórias orais no sul do Brasil. NAU Social. 2021;12(22):526–43. Jalil ML, Costa MAG, Silva LC, Oliveira MSL.Impacto da covid-19 na vida das mulheres rurais do nordeste do Brasil. Cad. de Agroecologia.v.16, no1,2021. Sousa RF de.Cultura do estupro:a prática implícita de incitação à violência sexual contra mulheres.Rev Estudos Feministas. 2017;25(1):9–29.

Fonte(s) de financiamento: Inova Fiocruz


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