03/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO32.7 - Produzindo cuidados em redes na ateção psicossocial |
47728 - O APOIO MATRICIAL NA QUALIFICAÇÃO DO CUIDADO INTEGRAL DE PESSOAS COM SOFRIMENTO PSÍQUICO GRAVE NO ÂMBITO DA SAÚDE DA FAMÍLIA KÉZIA DE OLIVEIRA NASCIMENTO SOUZA - UEFS, EMILLY SALES SALA GOMES - UFBA
Contextualização Apesar da proposição do modelo de atenção psicossocial na Política Nacional de
Saúde Mental e da inserção dos serviços de atenção primária na Rede de Atenção
Psicossocial no Brasil, é possível observar a perpetuação da lógica manicomial no
cuidado em saúde, tanto na reprodução da institucionalização nos Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS) quanto nas dificuldades dos dispositivos da atenção
primária em reconhecer as demandas de saúde mental como parte de sua
responsabilidade, ofertando serviços não limitados ao recurso medicamentoso e ao
encaminhamento para atenção especializada.
Descrição Este relato é fruto da vivência de uma psicóloga residente em Saúde da Família
(FESF-FIOCURZ), atuando no apoio matricial a uma Equipe de Saúde da Família
(eSF) em uma cidade da Região Metropolitana de Salvador, enquanto integrante do
Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), no
acompanhamento de um caso de sofrimento psíquico grave. O matriciamento se deu
a partir das reuniões de equipe para discussão do caso, articulação de rede com o
CAPS de referência, visitas domiciliares, atendimentos individuais e compartilhados,
construção de Projeto Terapêutico Singular (PTS), psicoeducação acerca de
transtornos mentais graves, desmistificação da loucura, da agressividade e
orientações quanto manejo do cuidado.
Período de Realização O acompanhamento deste caso se deu entre os meses de junho de 2019 e fevereiro
de 2021.
Objetivos Apresentar práticas de cuidado ofertadas a uma pessoa em sofrimento psíquico
grave, construídas a partir do apoio matricial do NASF-AB para com eSF e
demonstrar possibilidades de atenção à saúde mental no contexto da atenção
primária à saúde.
Resultados O início do acompanhamento se deu pela percepção das dificuldades da equipe de
referência em lidar com um usuário que comparecia frequentemente à Unidade de
Saúde da Família (USF) com queixas odontológicas. Embora a eSF houvesse
encaminhado o caso para o atendimento odontológico especializado, o mesmo
retornava à USF e gerava conflitos devido à dificuldade da equipe no manejo em
saúde mental. Ao identificarmos o desconhecimento da história do sujeito, a
ausência de escuta sensível, a invisibilidade do sofrimento psíquico e invalidação
das queixas, iniciamos, em reunião de equipe, a investigação do usuário, buscando
seu histórico junto ao CAPS e seu contexto familiar e social. Paralelamente,
realizamos psicoeducação acerca de transtornos mentais graves, desmistificação da
loucura e da agressividade e orientações quanto à conduta e ao acesso prioritário
em saúde, conforme preconiza a atenção básica. Ainda foi necessário defender a
atenção integral à saúde, esclarecendo que as práticas de cuidado ao sofrimento
psíquico independem da categoria profissional e do dispositivo de saúde acessado.
O apoio matricial também se deu no diálogo com os profissionais no sentido de
minimizar o desconforto no contato com o usuário, levando-os a enxergar o sujeito
que há além dos conflitos, com o objetivo de aprimorar habilidades no manejo e
escuta na realização de práticas de cuidado que eles já estavam habituados a
ofertar. Nesta ação, o vínculo já não estava restrito à equipe de referência, mas a
toda unidade de saúde. Assim, com a ampliação da compreensão da equipe em
torno das necessidades singulares do caso, foi possível adaptar fluxos de
agendamento de consultas e exames via regulação, construir o cuidado
compartilhado com o CAPS e realizar o tratamento odontológico na própria USF.
Aprendizados Esta experiência elucida a importância da escuta, do vínculo e do cuidado em rede
na assistência à saúde mental, revela a disputa dos modelos manicomial e
psicossocial nas práticas de saúde e aponta as potencialidades e dificuldades da
atenção à saúde mental nas USF. Percebemos as dificuldades de realização do
acompanhamento a partir da clínica ampliada dentro da organização tradicional do
processo de trabalho em saúde e diante de um contexto de instalações físicas
precárias e demanda reprimida. Ainda assim, foi possível desenvolver um trabalho
interdisciplinar, pautado no acolhimento, no vínculo e na empatia, o que permitiu aos
residentes o desenvolvimento de competências para o cuidado integral em saúde.
Análise Crítica A partir dessa experiência é possível constatar a importância da Unidade de Saúde
da Família na oferta de cuidado aos usuários com sofrimento mental grave. Mais do
que organizar a rede, a USF tem potencialidades terapêuticas para o manejo desses
casos. Apesar do papel da USF ser bem explícito, no cotidiano a lógica manicomial
está presente nas práticas de cuidado. Diante disso, faz-se necessário rememorar
os movimentos que nos levaram à constituição das Reformas Sanitária e
Psiquiátrica. Este tempo revela que tais conquistas não estão dadas nem
concretizadas, pelo contrário, são resultantes de lutas diárias travadas da
assistência à gestão, por usuários, profissionais e/ou gestores, através do controle
social. Os princípios ali contidos continuam vivos em nosso cotidiano.
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