46820 - SABER VIVENCIAL E PODER DECISÓRIO NO TRATAMENTO PSICOFARMACOLÓGICO: EXPERIÊNCIA DE USUÁRIOS DE UM CAPS EM UM MUNICÍPIO NORTE MINEIRO ROBERTO CARLOS PIRES JÚNIOR - UNIMONTES, KATYANE BENQUERER OLIVEIRA E ASSIS - UNIMONTES, GEANE CORREA DA SILVA - UNIMONTES, BÁRBARA SOARES FONSECA - UNIMONTES, JAYNE DUARTE MARTINS - UNIMONTES, CRISTINA ANDRADE SAMPAIO - UNIMONTES
Contextualização A participação da pessoa com sofrimento mental no processo decisório do tratamento é ainda debatida no contexto da atenção psicossocial brasileira. Embora seja um princípio valorizado, o pleno exercício da contratualidade do usuário na saúde mental muitas vezes é obstaculizado pelos próprios trabalhadores, especialmente no que tange à prescrição medicamentosa. Essa problemática é particularmente acentuada na polarização entre a expertise profissional e o saber vivencial adquirido pelo usuário no tratamento. Considera-se que, além da aplicação técnica dos trabalhadores, é imprescindível reconhecer e valorizar a experiência subjetiva do usuário que está sujeito aos efeitos benéficos e adversos dos psicotrópicos. O relato do usuário amplia o entendimento sobre o processo medicamentoso e introduz novos significados, podendo subverter, inclusive, as fórmulas padronizadas.
Descrição Trata-se do relato de experiência de um projeto que inaugurou o primeiro grupo de Gestão Autônoma da medicação (GAM) em um Centro de Atenção Psicossocial na região Norte de Minas Gerais. Anterior à etapa de intervenção, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com dez usuários deste serviço. As entrevistas gravadas foram transcritas na íntegra e submetidas à análise de dados por meio de ciclos de codificação, através do software Atlas.ti. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa, no CEP/UNIMONTES nº 4.034.265/2020, Emenda nº 4.332.549/2020.
Período de Realização Outubro de 2021 a abril de 2022.
Objetivos Objetivou-se relatar a percepção dos usuários em relação à participação e tomada de decisão no cuidado, considerando o saber vivencial adquirido no tratamento farmacológico.
Resultados Os usuários relataram que os trabalhadores têm maior poder decisório em relação ao tratamento farmacológico, devido ao conhecimento técnico que possuem. Além disso, parte dos entrevistados afirmou não ter recebido informações suficientes sobre o tratamento, tendo que recorrê-las de forma independente e sem a assistência profissional. Em razão disso, relataram dificuldades em distinguir os sintomas do sofrimento psíquico aos efeitos colaterais dos medicamentos. Ademais, manifestaram embaraços e inseguranças em compartilhar o saber vivencial do sofrimento e do cuidado, especialmente na relação com os prescritores. Nesse contexto, a maioria dos usuários acredita que não deve opor às decisões do médico, mesmo que sejam contrárias às suas preferências. Além disso, parte dos entrevistados considera que o usuário de saúde mental não deve participar das decisões relacionadas ao tratamento medicamentoso. Por outro lado, a maioria dos participantes discriminou fatores protetivos e de risco para a manutenção da saúde, demonstrando intencionalidade pela melhora, mesmo quando em desacordo com as decisões clínicas. Alguns usuários expressaram o desejo de ter espaço para discutir e refletir sobre o uso de medicamentos, reconhecendo que o acesso à informação é benéfico para o processo de cuidado e que o saber vivencial pode contribuir para a tomada de decisão em relação ao cuidado.
Aprendizados No antigo paradigma de assistência psiquiátrica baseada no modelo manicomial e hospitalocêntrico, a medicação geralmente constituía o único recurso do tratamento, muitas vezes utilizada de forma punitiva. Atualmente, vislumbram-se perspectivas terapêuticas mais abrangentes e participativas, objetivando a autonomia e a singularização na produção de cuidados. Busca-se, hoje, potencializar estratégias que favoreçam recursos de empoderamento e do exercício da cidadania da pessoa com sofrimento mental. Portanto, a garantia do direito ao fornecimento de insumos, acesso a informações e orientação colaborativa entre usuários e profissionais é indispensável para a otimização das estratégias na atenção psicossocial e no desdobramento dos desígnios da Reforma Psiquiátrica.
Análise Crítica Observam-se nos serviços de saúde mental a dissimetria do poder decisório entre usuários e trabalhadores, na qual o conhecimento especializado tende a sobrepor-se à experiência vivida. A comunicação nesse contexto é empobrecida, limitando-se ao relato de sintomas e à prescrição de medicamentos, excluindo, portanto, a diversidade de vivências dos usuários. Essa dinâmica perpetua a hegemonia do modelo biomédico na saúde, na qual o saber médico é centralizado na compreensão do sofrimento, como na medicalização de adversidades da vida entendendo-as como causas de intervenção médica, e na padronização da experiência subjetiva por meio de classificações diagnósticas. Na saúde mental, esse modelo é reforçado por práticas de cuidado restritivas e tutelares, resquícios do antigo modelo manicomial.
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