46800 - POR UMA MEMÓRIA MENOR: TESTEMUNHO E REPARAÇÃO NO CAMPO DA SAÚDE MENTAL POTIGUAR CARLOS EDUARDO SILVA FEITOSA - UFRN, ANA KARENINA DE MELO ARRAES AMORIM - UFRN, INDIANARA MARIA FERNANDES FERREIRA - UFRN, WANESSA MABEL CRUZ DE OLIVEIRA - UFRN
Apresentação/Introdução A história da Reforma Psiquiátrica Brasileira está atrelada às lutas políticas e movimentos sociais do período ditatorial brasileiro. Apesar de diversos registros da reforma nas regiões brasileiras, percebemos as fragilidades no que toca o seu registro histórico e o “esquecimento” da história e da memória de pessoas marcadas pela experiência manicomial como atores dessa transformação. Somam-se a esse “esquecimento”, a reprodução de processos coloniais de construção histórica, no silenciamento e na invisibilização de histórias e processos menores no campo da saúde mental. Walter Benjamin, em suas teses sobre o conceito de história, faz uma observação sobre a história hegemônica como sendo a tradição que sustenta o registro ufanista de grandes acontecimentos, escamoteando um conjunto de histórias menores, cujo registro nunca chegou a acontecer. O alerta feito por Benjamin sobre “o cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada pode ser considerado perdido para a história”, serve também para pensarmos a produção de histórias sobre a reforma em seus variados tempos de acontecimentos e personagens. Dentro dessa perspectiva surge o interesse sobre pensar as outras histórias em relação de tensão com uma história maior, a partir da memória de pessoas que acompanharam de perto as transformações do campo da saúde mental em Natal-RN. Para tanto, realizamos uma cartografia das memórias e narrativas de vida de pessoas que atravessam esse território que nomeamos de campo da saúde mental, procurando a produção de uma memória menor. Tomamos a “memória menor” em analogia ao conceito de literatura menor de Deleuze e Guattari como subversão de uma minoria em uma língua maior ou condição de revolução de toda literatura, da desterritorialização da língua e de dimensão política.
Objetivos Buscamos cartografar narrativas de memórias menores de pessoas atravessadas pela manicomialização no campo da saúde mental potiguar, problematizando o objeto memória, trazendo o debate de sua transmissão dentro de um campo histórico/político/cultural/colonial da saúde mental, a partir da narração da memória; mapeando memórias e os efeitos de subjetivação nelas presentes e que envolve a relação com o campo da saúde mental e da reforma psiquiátrica, abrindo espaço para a afirmação de outras memórias.
Metodologia Os aspectos metodológicos tomados na presente pesquisa tomam o pensamento de Bosi, Coimbra, Benjamin, Fanon, Deleuze e Guattari como referências para a construção do fazer pesquisa. Encontramos na pesquisa-intervenção, o lastro para a produção de uma relação de imanência entre pesquisador e campo, e entre prática e produção de subjetividade. Dentro da pesquisa-intervenção, a cartografia surgiu como um aspecto metodológico que apreende a complexidade, coloca problemas, rastreia o plano de forças que compõem a realidade, fazendo o mapeamento de diferentes territórios, de forma dinâmica e não extensiva, assinalando a relação e as implicações dos sujeitos no espaço mapeado.
Resultados e discussão A pesquisa se deu a partir de entrevistas e narrativas de participantes de um coletivo de saúde mental e luta antimanicomial da cidade de Natal, de forma individual e coletiva, pensando o encontro de diferentes pessoas e o compartilhamento de suas histórias singulares, por meio da narração, como potência de afirmação da diferença e da transmissão da experiência. Neste processo, os pesquisadores participaram ativamente das ações do coletivo como apoiadores do movimento. Os testemunhos surgidos nas entrevistas, nas ações e nos encontros coletivos trazem a marca da violência institucional, discriminação e a representação do estigma da loucura na sociedade. Embora não seja relatado diretamente, as narrativas produzidas trazem uma relação, apontada por Fanon, entre racismo e adoecimento, com a perpetuação da alienação e do flagelo colonial sobre corpos pretos e pobres. As experiências transmitidas nas narrações também estiveram presentes, nas ações políticas dos membros do coletivo – como a leitura de um manifesto em defesa da saúde mental, lido na assembleia legislativa de Natal, durante audiência pública. As histórias individuais, singulares se cruzam com a grande história da saúde mental potiguar, trazendo não mais a reificação dos manicômios e grandes nomes da psiquiatria natalense, mas reivindicando o reconhecimento de uma história menor dos usuários, que encontra na ação política do tempo de agora a reparação de um doloroso passado negado.
Conclusões/Considerações finais O acompanhamento dos usuários do coletivo de luta antimanicomial possibilitou o contato com a potência micropolítica do testemunho para a produção de uma possível reparação, por meio de uma história em seu devir-minoritário, de caráter não quantificável, mas intensivo, que atravessa diferentes grupos, que não se institucionaliza em uma história única, mas provoca a produção de múltiplas outras histórias, a partir de sua enunciação.
|