Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO32.6 - Decolonização dos saberes e práticas em Saúde Mental

45969 - DECOLONIZAR E DENEGRIR A LUTA ANTIMANICOMIAL: UMA ETNOGRAFIA SOBRE O CUIDADO EM SAÚDE MENTAL EM UM MUNICÍPIO DA BAIXADA FLUMINENSE NA PANDEMIA DE COVID-19
UESLEI SOLATERRAR - IMS/UERJ


Apresentação/Introdução
O movimento histórico e estrutural de estigmatização da pessoa tida como “louca”, logo lida como “improdutiva” para o trabalho e modus operandis do capitalismo neoliberal, é uma cena perfeita das expressões da sociedade que “promove a saída da democracia” (MBEMBE, p.21), que reiteradamente coloca o “louco” no quarto de despejo (JESUS, 2001). E quando além de “louca”, essa pessoa é negra e moradora da Baixada Fluminense? Partindo do feminismo negro, da perspectiva decolonial (QUIJANO, 2009), e do aporte conceitual do Mbembe, sobretudo sobre “necropolítica” (2018a), “política da inimizade” (2017) e “devir negro do mundo” (2018) espera-se endossar “o coro de vozes que denunciam o caráter racista, genocida e mortífero do projeto moderno colonial da sociedade ocidental” (OLIVEIRA ET AL., p.03, 2020).
A pesquisa em curso se situa no desafio de articulação e diálogo entre os estudos sobre raça/racismo, sobretudo a partir do feminismo negro, do pensamento decolonial e a luta antimanicomial, por meio do paradigma da atenção psicossocial. A mesma propõe sustentar uma discussão racializada no campo da saúde mental. Para efetivar uma aproximação com esses campos de estudos, defende-se a perspectiva analítica interseccional. Nesse mote, para ser possível se aproximar e empreender uma reflexão articulada das diferentes categorias aqui pensadas (saúde mental- pessoas com o estigma da loucura ou com diagnóstico de transtorno mental, raça – pessoas negras e tendo as categorias de classe, gênero e território transversalizando os campos) propõe-se pensar a diferença como ferramenta analítica (BRAH, 2006).
O presente projeto nasce a partir da minha experiência prévia enquanto pesquisador e trabalhador do campo da saúde mental por meio da gestão de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no território da Baixada Fluminense. Atuo no território da Baixada desde maio de 2018. Implantamos o CAPS III do município, serviço com funcionamento em regime 24h, em junho de 2020, ou seja, no primeiro ano da pandemia de COVID-19. Para os usuários dos serviços de saúde mental destes territórios, que já vivem isoladas na periferia das cidades ou do estado do RJ, a pandemia agravou os sofrimentos sociais (KLEINMAN ET AL., 1997) preexistentes.
Proponho, enfim, um estudo que ganhe vida “aos moldes de uma política de reparação sob os efeitos do colonialismo” (KILOMBA, p. 27, 2019). Diante da reflexão de Kilomba (2019) sobre a necessidade de não apenas se opor ao projeto societário colonialista, patriarcal e escravocrata, mas sobretudo reinventar outros lugares para as pessoas que são colocadas à margem como operação complementar à primeira, a questão que se coloca é: como não apenas se opor e resistir às amarras do manicômio para as pessoas negras com diagnóstico de transtorno mental e sim reinventar e construir outras formas de ser e se tornar sujeito de suas histórias?


Objetivos
Investigar como tem se dado a gestão do cuidado em saúde mental para pessoas negras com diagnóstico de transtorno mental num município do território da Baixada Fluminense durante a pandemia de COVID-19 (2020-2022).


Metodologia
A aposta metodológica é a de construir uma etnografia multisituada (MARCUS, 1995) composta por dois planos de análise: 1) autoetnografia: percorrer por minha experiência como gestor que implantou um CAPS III em um município da Baixada Fluminense no ano de 2020 e 2) Análise e discussão de caso de dois usuários negros do CAPS III de um município da Baixada Fluminense. Quanto aos procedimentos para o tratamento analítico dos dados, optou-se pela análise socioantropológica e pela perspectiva analítica interseccional.


Resultados e discussão
A aposta na experiência pessoal como trabalhador e militante do campo da saúde mental como o fio condutor desta pesquisa faz parte da premissa de se aproximar de uma perspectiva afroindígena de mundo, de uma epistemologia aterrada (SANTOS, 2020) em contraposição a leitura de mundo do pensamento moderno ocidental. Parte-se do pressuposto de que precisamos pensar nos perigos da atualização da lógica da institucionalização e do manicômio operando a partir das respostas de cuidado que temos produzido paras as pessoas subalternizadas do território da Baixada Fluminense. Essas respostas reiteradamente têm sido os diagnósticos, as medicações, as psicoterapias, os projetos terapêuticos singulares (PTS) nos CAPSs. Tais respostas, quando não dialogadas com os marcadores sociais e dinâmicos de cada pessoa e se não construídas interseccionalmente a partir de uma leitura sócio-histórica; seguirão engendrando instituições manicomiais em corpos dissidentes (SOLATERRAR, 2020) ou dessemelhantes (MBEMBE, 2017).


Conclusões/Considerações finais
Proponho, enfim, um estudo que se some ao desafio coletivo de construção de uma política de reparação aos efeitos do colonialismo, um estudo que possa tensionar os efeitos da psiquiatrização e medicalização das subjetividades negras para ser possível ampliar, enegrecer e decolonizar a caixa de ferramentas de cuidados em saúde mental.