03/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO30.3 - Saúde mental, arte e cultura |
45150 - FESTA, RESISTÊNCIA E O DIREITO À CIDADE: A PRODUÇÃO DA SAÚDE NA OCUPAÇÃO DAS RUAS MARCOS AURÉLIO DA SILVA - UFMT, EVILAINE DA SILVA COSTA - UFMT, RAYSSA KARLA DOURADO PORTO - UFMT
Apresentação/Introdução O isolamento e o confinamento experimentados por grande parte da população nos anos de pandemia nos fazem pensar no quanto o direito de ir e vir, de circular, de estar nas ruas é também um direito coletivo à saúde. Se para muitas pessoas esse cerceamento da liberdade era algo inusitado e novo em suas vidas e lhes fez pensar no quanto a falta de circulação afeta sobretudo a saúde mental, para muitas pessoas em segmentos significativos de nossas coletividades sociais, tal liberdade nunca foi plena, uma vez que circular pelas ruas sempre foi um exercício de resistência e pode ser visto como re-existência. Me refiro a pessoas marcadas socialmente por gênero, sexualidade, cor e classe, mais especificamente mulheres, pessoas negras e LGBTs, sujeitos historicamente deslegitimados em sua circulação pela cidade que, ao marcarem presença na paisagem urbana e enfrentarem situações de violência e opressão, não apenas resistem, mas re-existem, ou seja, produzem suas existências, num exercício diário de produzir lugares de vidas possíveis, vivíveis e não matáveis.
Objetivos O objetivo central dessa pesquisa é contribuir para uma parte do conceito de promoção da saúde, menos voltado para a prevenção e mais atento à afirmação da vida, como defende a própria Abrasco, em seu GT de Promoção da Saúde, que enfatiza o “direito à saúde como expressão direta do direito fundamental à vida”. Entendendo tal produção de vida como produção de saúde, na medida em que a saúde não é pensada como ausência de doença, nem pode ser restrita ao acesso a serviços de saúde, podemos elencar uma série de vivências urbanas na perspectiva da produção de saúde, como as paradas LGBTs, as lavagens das escadarias e até mesmo os desfiles de escolas de samba, manifestações que colocam esses sujeitos em evidência em locais-chave da cidade, podendo até ter destaque na mídia e nos calendários turísticos, mas que se contrapõem a cotidianos de violência e alijamento do espaço público em que estão suscetíveis às violências sexuais e de gênero e a toda sorte de racismos.
Metodologia Esta pesquisa tem realizado etnografias em cidades como Cuiabá e Rio de Janeiro, através de observação participante e entrevistas, enfocando os sujeitos dessas performances culturais e suas práticas festivas, como formas de dialogar com a cidade, deixando de ser apenas festa e podendo ser entendidas como políticas de vida e de produção de saúde. Foram etnografadas, no contexto desta pesquisa: as paradas LGBTs de Cuiabá, entre os anos de 2014 e 2022; as lavagens da escadaria do Rosário, de 2019 a 2022; e os carnavais das escolas de samba do Rio de Janeiro, desde 2020. As etnografias levam em consideração os saberes produzidos por esses sujeitos em suas relações com a cidade, na contraposição entre os dias festivos, em que são destaques, e os dias ordinários, em que suas vidas correm riscos ou pouco significam para o Estado.
Resultados e discussão As etnografias realizadas apontam para a centralidade tais manifestações culturais e o lugar desses sujeitos na cidade, como contextos produtores de saúde ou doença. Sejam os sujeitos LGBTs das paradas, sejam as mães-de-santo das lavagens, sejam as comunidades afro-brasileiras que produzem o carnaval do Rio de Janeiro, há, na contraposição à festa e do protagonismo que nelas conquistam, o relato das impossibilidades de circulação e de ocupação da cidade em dias comuns, por conta das constantes ameaças de violência, as negativas do mundo do trabalhos, as perseguições dentro de lojas e shoppings, a ameaça a seus terreiros ou o medo de que seus filhos não voltem para casa (uma constante na vida das mães-de-santo) e até mesmo a impossibilidade de usar banheiro público (no caso da população trans).
Conclusões/Considerações finais Quando nos baseamos num conceito de produção da vida como forma de ampliação das possibilidades de promoção da saúde, a produção é talvez o próprio ato de existir, de viver. Nesse sentido, os exemplos etnográficos apresentados acima, nos ensinam que, apesar de serem fenômenos festivos, de celebração, quando são lidos na chave da ocupação de espaços urbanos entendemos o seu potencial político, uma vez que são protagonizados por grupos que historicamente têm o direito à cidade negado. Se vamos pensar a saúde para além da ideia de promoção de saúde e prevenção de doenças, há que se considerar outras formas de produzir vida que não se circunscrevem aos seus aspectos biológicos e se direcionam para uma vida plena, em que a saúde é a afirmação da vida e não apenas daquelas vidas conformadas às hierarquias dos Estados-nação, mas de todas as vidas possíveis. Reconhecer nessas manifestações festivas, religiosas e políticas uma produção de saúde e levar a sério os discursos em evidência significa dar um passo à frente na possibilidade de pensar os contextos de adoecimento a que essas formas de resistência remetem. É aceitar que a cidade não é para todos ou que ela se coloca para cada uma dessas coletividades de uma forma mais ou menos excludente e que são essas exclusões as produtoras de doenças e mortes.
|
|