Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO29.4 - O que pode aparecer e o que é escondido: sobre modos de operar a medicalização da vida

45169 - PROMOÇÃO DA SAÚDE E BIOMEDICALIZAÇÃO: BALANÇO CRÍTICO DA LITERATURA SOBRE TESTAGEM DO HIV
SIMONE MONTEIRO - IOC/FIOCRUZ, MAURO BRIGEIRO - CONSULTOR IDEPENDENTE


Apresentação/Introdução
Apresentação: Na última década houve mudanças nas diretrizes globais e nacional para o enfrentamento da epidemia de Aids, orientadas por pesquisas clínicas que indicavam que pessoas com HIV em tratamento poderiam reduzir a quantidade de vírus e deixar de transmiti-lo. Assim, as diretrizes têm privilegiado investimentos na identificação de casos de HIV e no tratamento. Tal estratégia, denominada de Tratamento como Prevenção (TcP), envolve a ampliação do acesso ao teste do HIV, em especial entre populações com maior concentração de casos: gays/homens que fazem sexo com homens (HSH), trabalhadoras sexuais (TS) e mulheres trans e travestis (MTT).

Objetivos
Objetivos: o estudo analisou os efeitos da TcP nos modos de estudar a prevenção do HIV e a promoção da saúde (PS) a partir da revisão da literatura nacional e internacional sobre testagem envolvendo gays/HSH, MTT e TS. A noção de promoção da saúde adotada compreende a saúde como um processo dependente das condições sociais (alimentação, renda, justiça social e educação) e valores (vida, solidariedade, equidade, direito, democracia, desenvolvimento). Tal enfoque não engloba apenas medidas em torno de uma doença, sendo mais abrangente que o conceito de prevenção, baseado na ação antecipada. Ademais, converge com o conceito de vulnerabilidade, adotado nas análises sobre epidemia de Aids. A efetivação da PS exige a responsabilização múltipla dos problemas e soluções, envolvendo Estado e sociedade civil organizada, no desenvolvimento de estratégias de reorientação dos sistemas de saúde, parcerias intersetoriais e empoderamento comunitário.

Metodologia
Metodologia: Foi realizada revisão integrativa da literatura indexada, publicada de 2010 a 2019 nas bases PubMed, SciELO, Sociological-Abstract, ASSIA, Web of Science e Scopus. Foram combinados descritores sobre mulheres trans/travestis, gays/HSH e trabalhadoras sexuais, com ações, modelos e recursos de teste ao HIV e prevenção ou promoção da saúde. Após eliminar as referências repetidas chegou-se a 728 trabalhos. Dois pesquisadores independentes aplicaram os critérios de exclusão, resultando em 428 artigos, classificas segundo categorias temáticas que incluíram: barreiras de acesso ao teste; estratégias de captação; uso de tecnologias de informação e comunicação e teste; reflexões sobre prevenção combinada; promoção da saúde; tratamento como prevenção; prevenção no marco dos Direitos Humanos ou testagem como um direito; dentre outras. Na presente análise, foram selecionados 33 artigos classificados na categoria ‘promoção da saúde’. Por meio de técnicas analíticas qualitativas, os 33 textos foram fichados, visando identificar como a noção de promoção da saúde foi apresentada e apropriada nas pesquisas e intervenções, no marco do paradigma do TcP, segundo as três populações (Gays/HSH, MTT, TS)

Resultados e discussão
Resultados: Constatou-se que a promoção da saúde (PS) assume sentidos diversos segundo as três populações. Nos estudos sobre gays/HSH, numericamente superior aos trabalhos com MTT e TS, predomina a lógica clínica e biomédica. Há uma menor ênfase nos princípios da promoção de saúde, notando-se uma tendência de englobamento da noção de PS pelas práticas de prevenção. Nos trabalhos com MTT e TS, as ações sobre testagem do HIV tendem a ser subordinadas às reflexões alinhadas aos princípios típicos da promoção da saúde, relativos às articulações entre as dimensões individuais, sociais e programáticas da vulnerabilidade ao HIV, incluindo os direitos humanos. Nota-se que a tendência de biomedicalização da resposta ao HIV que trata os problemas e soluções para a testagem com uma tônica mais individual é mais recorrente nos trabalhos com gays/HSH. Segundo esse enfoque, as ações educativas e de mudança comportamental, entendidas como de promoção, se apresentam como auxiliares para o sucesso das estratégias de prevenção e teste. Já a literatura sobre TS e MTT, bem mais reduzida numericamente, tende a apresentar uma agenda de debates e reflexões sobre saúde mais ampla, nas quais as perspectivas sobre prevenção e promoção da saúde são integradas e o teste não assume centralidade.

Conclusões/Considerações finais
Considerações finais: O balanço crítico da literatura aponta que a hegemonia biomédica nas respostas ao HIV tem implicado em um distanciamento das orientações originais do movimento da promoção da saúde. Nesta direção, exemplifica como o processo de biomedicalização não se caracteriza somente por uma intensificação do domínio da racionalidade médica nas práticas de saúde. Essa perspectiva tem influenciado a reconfiguração de práticas e sentidos do que vem a ser a prevenção e a promoção da saúde e deveriam ser consideradas na formulação das políticas de saúde de enfrentamento do HIV/Aids. Tais achados adquirem relevância frente ao apagamento da Aids como problema social nos últimos anos, agudizado a partir da recente pandemia de Covid-19, expresso pela falta de investimento em ações de prevenção, escassez de formação de recursos humanos e fragilização do movimento social de Aids