Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO25.5 - Usuários, gestão do cuidado e vulnerabilidade

48020 - SAÚDE E CUIDADO NO CONTEXTO DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE SÍTIO ALTO, SIMÃO DIAS, SERGIPE, BRASIL
MÁRLON VINÍCIUS GAMA ALMEIDA - ISC/UFBA, ROBERTO DOS SANTOS LACERDA - DESL/UFS, ANA CLAUDIA MORAIS GODOY FIGUEIREDO - FEPECS, JOILDA SILVA NERY - ISC/UFBA


Apresentação/Introdução
O conceito de quilombo exige uma compreensão polissêmica que envolve os espaços formados por pessoas escravizadas que conseguiram escapar do cárcere para compor organizações coletivas, como estratégia de sobrevivência; a demarcação constitucional, que observa o direito às terras ocupadas historicamente; e as ligações estabelecidas com o território, que evoluem com o passar dos anos, símbolos de sobrevivência, tradição, resistência e cooperação. Por isso, a ideia de negros apartados da sociedade ou fugidos é reducionista e precisa ser constantemente revisada. A síntese que emerge desta discussão é que, para os quilombolas, o quilombo é mais do que um território físico, é a própria casa, local de pertencimento, de encontro e de fortalecimento da identidade negra.

Objetivos
Descrever as perspectivas dos quilombolas residentes em Sítio Alto, Simão Dias, Sergipe, sobre as relações estabelecidas entre saúde e comunidade.

Metodologia
Estudo qualitativo com participantes selecionados por conveniência e quantitativo de entrevistados estabelecido por técnica de saturação. O trabalho foi conduzido na comunidade quilombola de Sítio Alto, localizada na zona rural do município de Simão Dias, em Sergipe, e reconhecido como território quilombola em 2014 pela Fundação Cultural Palmares. Os dados foram coletados por entrevistas com roteiro semiestruturado, sempre condicionadas à assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e registros em diário de campo, no intervalo em que o pesquisador esteve residente no quilombo, entre 18 de novembro e 15 de dezembro de 2019. O tratamento do material empírico foi direcionado pela análise de conteúdo temática, a partir de duas categorias analíticas: a) saúde, cuidado e serviços e b) quilombo, comunidade e identidade. As Resoluções nº 466/2012 e nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde foram observadas.

Resultados e discussão
Quinze entrevistas foram realizadas: todas as pessoas se autodeclaram negras, sendo a maioria mulheres, que não concluíram o ensino fundamental e/ou não sabiam ler e escrever, católicas, recebiam auxílio do governo, agricultoras, com idades entre 42 e 87 anos. A principal compreensão das entrevistadas relacionou saúde com boa alimentação e cuidados médicos. O médico como elemento principal da saúde formal reproduz a solidez do modelo biomédico e a centralidade do cuidado na cura, na medicalização e no procedimento. Embora aponte uma captação singela do entendimento sobre saúde de modo ampliado, evidencia, também, o desprovimento destes profissionais nas comunidades, habituadas a presença única do agente comunitário de saúde como representante deste setor. O aumento do uso de agrotóxico nos alimentos, também foi fator julgado pelas quilombolas de Sítio Alto como prejudiciais à saúde dos moradores da comunidade. Tendo em vista que a principal atividade de subsistência praticada pelos moradores da comunidade é a agricultura, a associação entre cultivar boa saúde e alimentar-se bem pode ser justificada. Ademais, o receio do uso do agrotóxico atrelado ao adoecimento e a morte pelas quilombolas, pode refletir a pressão sobre a comunidade que está localizada em uma das maiores regiões produtoras de milho transgênico do estado de Sergipe e contrapõe-se arduamente às investidas do agronegócio em seu território. Além disso, embora as moradoras do quilombo contextualizem barreiras no acesso aos serviços de saúde, caminhos alternativos e implementos à rede formal, a partir de saberes locais, foram relatados. Existe uma intensa relação entre saúde e ambiente, sustentada pela territorialidade do cuidado, que pensa as trocas com o outro no mesmo sentido que considera a exigência de preservação do meio ambiente, dos espaços de convivência e das práticas locais. Por último, o conhecimento sobre a identidade quilombola foi atravessado por preconceitos e incompreensões, que esbarraram na certeza das moradoras sobre sua ancestralidade e elo com a terra. É inquestionável que o processo de estigmatização das comunidades quilombolas pauta-se no racismo e na ignorância da população geral e, por isso, a sua identidade, que é disposta por seus territórios, não pode ser tratada de maneira exótica, genérica e folclórica, nem reduzida pelo preconceito que a circunda.

Conclusões/Considerações finais
Edificar com a comunidade estratégias de melhorias em suas condições de vida e saúde, reconhecendo suas potencialidades e múltiplas vivências, é o caminho para superação das invisibilidades em que se encontram. Ainda que persistam barreiras no acesso aos serviços de saúde, as redes coletivas, consumadas no afeto, saberes locais e desejos dos quilombolas, representam alternativas importantes para a desassistência. Enfim, é preciso reconhecer que ventos diferentes renovam a esperança para os quilombolas, uma vez que com lideranças sensíveis às questões enfrentadas pelas comunidades, espera-se a efetivação de políticas públicas que correspondam às necessidades específicas desses territórios.