47877 - AS ‘ALEGRIAS DA MESA’ NO ROMANCE O CORONEL E O LOBISOMEM DE JOSÉ CÂNDIDO DE CARVALHO: TÓPICOS SOBRE SOCIOLOGIA DA MESA BRASILEIRA. ALEXANDRE FERNANDES CORREA - UFRJ, LAÍS BURITI DE BARROS - UFRJ, AMÁBELA DE AVELAR CORDEIRO - UFRJ
Apresentação/Introdução Relato da pesquisa CULINÁRIA MACAENSE: história, receitas e serviços gastronômicos regionais. Versa sobre as perdas das tradições culinárias regionais e locais num contexto de transformações socioeconômicas aceleradas em tempos de globalização e mundialização dos hábitos alimentares em Macaé e Norte Fluminense. Num cenário de proliferação de processos gastro-anômicos (GOLDEMBERG, 2011), numa espécie de desorientação em virtude da quebra de tradições, que anteriormente davam sentido a gramática dos alimentos e seus efeitos, assistimos sinais de um retorno para a comida caseira, sustentável, operando um distanciando dos produtos embalados e altamente processados.
Objetivos Na proposta deste relato observa-se as potencialidades da literatura em recuperar histórias e memórias de hábitos alimentares regionais e locais, na linha de trabalho desenvolvido no Atlas das representações literárias de regiões brasileiras (IBGE, 2006). Dessa forma, rastreia-se a dimensão cultural como centro do processo de regionalização, utilizando-se de obras da Literatura nacional. Aprofundando tópicos de sociologia da mesa brasileira faz-se uma incursão na obra de José C. de Carvalho, em especial o romance O Coronel e o Lobisomem (1964), “abordando a promoção da alimentação adequada, saudável e sustentável, a soberania e segurança alimentar e nutricional e o cuidado alimentar e nutricional emancipatório” através da narrativa literária. Um dos objetivos dessa investigação é testar as hipóteses do sociólogo C. Doria, concernentes à possibilidade de se identificar vestígios ainda vivos das tradições da cozinha caipira, tanto na região serrana e meio urbano macaense, como na cozinha caiçara da zona litorânea (DORIA, 2021).
Metodologia Mediante procedimentos básicos da Pesquisa Social implementa-se abordagens mistas no trabalho de campo proposto, tendo em conta dados quantitativos e qualitativos no espaço social da cozinha regional e local, perscrutando vestígios de hábitos e ingredientes presentes na narrativa do romance citado. O trabalho metodológico continua se aprofundando no levantamento de dados, análise documental, catalogação e classificação por observação e coleta das receitas ou formas de preparo a partir do trabalho de campo (DESLANDES, 2011), de acordo com seus ingredientes (origem animal, vegetal, especiarias) e região (urbano, rural, litoral caiçara) (DOMENE, 2014; PHILIPPI, 2014; DORIA, 2021). Este trabalho segue desenvolvendo as receitas de modo experimental, em padrões e procedimentos laboratoriais, transcrevendo e reproduzindo-as em Laboratório de Técnica Dietética e Análise Sensorial de Alimentos.
Resultados e discussão Ao investigar heranças histórico-culturais da culinária regional e o modo de saber/fazer das receitas, invoca-se perspectiva que é fundamental “para a construção de práticas mais justas e equitativas, promotoras de segurança alimentar e nutricional, e que levem em consideração as múltiplas dimensões da alimentação e nutrição das populações”. Considerando que a cozinha e as maneiras à mesa de uma sociedade são uma forma original de regular as relações entre a natureza e a cultura, encontramos na dialética entre os registros narrativos do romance e a realidade contemporânea, os trajetos e rastros dos hábitos e costumes culinários que ainda permanecem ou se transformam. Do romance recolhemos diversos registros de ingredientes e produtos que descrevem “as alegrias da mesa” fluminense da época (início séc. XX), com referências a diversidade da flora com citações de pitangueiras, guriris, mangueiras, abricós, jaqueiras, fruta-de-condes, samburás, etc.; as delícias dos frutos do mar como robalo e badejo; carnes de cabrito, capivara, jacaré, galinha ensopada e variadas caças; farinhas de milho, mandioca, paçoca, etc.; além outras diversas referências divertidas narrando almoços e “ajantarados” com muito café, doces, fumo, aguardente, licores, etc., muito presentes na narrativa. Todo esse acervo compõe um museu culinário que está em risco de perda iminente, devido ao processo de transformação em curso pela ação da indústria do petróleo e gás na região.
Conclusões/Considerações finais Assim, o romance citado ao narrar acontecimentos que remetem às primeiras décadas do séc. XX na região Norte Fluminense, preserva a história e a memória da culinárial, remontando a hábitos alimentares regionais e locais hoje em risco de desaparecimento. Considerando que é preciso reforçar a tendência de se afastar dos fast foods e dos alimentos ultraprocessados, torna-se notável a importância da Literatura nesse esforço de estancar os processos gastro-anômicos (FISCHLER, 1979) recuperando tradições e hábitos, num retorno saudável para a comida caseira, sustentável, operando um distanciando dos produtos embalados e altamente processados. Através de experimentos em laboratório, a partir dos registros literários, a pesquisa tem conseguido realizar um diálogo profícuo com o passado e o presente das receitas e modos de cozinhar, estimulando a preservação do rico patrimônio culinário brasileiro e regional.
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