47618 - SABEDORIAS TRANS/TRAVESTI/NÃO BINÁRIA/FLUIDA: PREP, SERVIÇOS ESPECIALIZADOS E AS MÚLTIPLAS MANEIRAS DE SOBREVIVER À EPIDEMIA DE HIV E À PANDEMIA DE COVID-19 RAMIRO ANDRES FERNANDEZ UNSAIN - USP-FM, ELIANA MIURA ZUCCHI - UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS, LORRUAN ALVES DOS SANTOS - USP-FM, DULCE FERRAZ - FIOCRUZ, PAULA MASSA - USP-FM, JÚLIA CLARA DE PONTES - USP-FM, ALEXANDRE D GRANGEIRO - USP-FM, MÁRCIA THEREZA COUTO - USP-FM
Apresentação/Introdução As mulheres transexuais e travestis, assim como pessoas não binárias ou de género fluido (de aqui em diante MTrT+) são afetadas desproporcionalmente no que tange à garantia do direito à saúde e ao acesso aos serviços de saúde, devido, sobretudo, à violência de gênero, que se expressa no desrespeito à identidade de gênero, e ao estigma sexual. Durante a pandemia de Covid-19, especialmente no contexto brasileiro, as possibilidades de se proteger da exposição ao vírus e enfrentar a doença e suas repercussões na saúde se mostraram mediadas pelas condições de vida e de acesso a bens, serviços e direitos. Nesse sentido, a Covid-19 é aqui tratada como um “acontecimento” (Romano et al., 2022) vinculado ao campo social e político que potencializou, por um lado, as barreiras ao acesso e uso de serviços de saúde entre populações vulneráveis e, pelo outro, incrementou a busca por alternativas de cuidado em saúde a partir de redes e percursos não necessariamente institucionais.
Objetivos Considerando as percepções e experiências de MTrT+ em contextos antes e durante a pandemia, analisamos as relações que estas estabelecem com os serviços de saúde onde fazem o seguimento de PrEP. Exploramos possíveis ressignificações desses serviços e indagamos sobre a continuidade da prevenção ao HIV pela PrEP. Nossa proposta é aprofundar as investigações que refletem sobre esses grupos partindo de uma dinâmica espaço-temporal situada em contextos específicos de produção de sentido, com a finalidade de repensar as estratégias de prevenção e cuidado, especialmente em momentos de crise.
Metodologia O material empírico analisado foi produzido no âmbito dos componentes qualitativos dos estudos PrEP 1519, do Estudo Combina! e do Estudo COBra. São estudos demonstrativos longitudinais que avaliam a efetividade da PrEP de uso diário/sob demanda entre adolescentes, homens que fazem sexo com homens (HSH) e MTrT+. Foram analisadas 45 entrevistas semiestruturadas realizadas com MTrT+ usuárias da PrEP da cidade de São Paulo. A partir de uma análise temática iterativa (Neale, 2016), buscou-se compreender o universo simbólico e material das entrevistadas e apreender as percepções das relações que estabelecem com os serviços de saúde, antes e durante a pandemia.
Resultados e discussão As entrevistadas apresentaram variação entre 15 e 52 anos com equiparação em termos de distribuição etária entre os dois grupos de participantes, antes e durante a pandemia. Salvo duas participantes que se declararam travestis, uma cujo gênero autodeclarado é fluido, e outra cujo pertencimento é pessoa trans não binária, as restantes (41) se auto definem como mulheres trans.
Ainda 38 participantes se declaram heterossexuais, quatro bissexuais, duas pansexuais e uma bissexual/assexual indistintamente. É interessante destacar que categorias mais recentes nos coletivos LGBTQIAPN+, como pansexual ou assexual e não-binária, são referidas por participantes mais jovens. Quanto à autopercepção com relação à raça/cor, 22 participantes se declaram brancas, 15 pardas, 5 negras e 3 indígenas. Das 45 interlocutoras, 31 são trabalhadoras sexuais, entre as quais algumas afirmaram realizar outras atividades como maquiadoras ou cabeleireiras. Cinco declararam que já foram trabalhadoras do sexo, mas no momento da entrevista tinham outros trabalhos ou eram beneficiárias de programas governamentais/benefícios sociais, mas não descartam a possibilidade voltar a fazer trabalho sexual. Nove declararam jamais ter feito trabalho sexual. É destacável que estas entrevistadas são jovens (entre 15 e 21 anos).
Todas, tanto antes como durante a pandemia, reconhecem que os serviços onde fazem acompanhamento da PrEP são lugares de acolhimento, contenção e confiança, onde elas podem relatar diferentes dimensões da vida “quase” sem julgamentos. Isto porque o julgamento relacionado ao trabalho sexual ou por serem MTrT+ permanece como uma sutil, mas insidiosa, barreira simbólica e material com potencial para prejudicar a adesão à PrEP. Ainda que explicitem confiança e acolhimento em relação aos serviços, algumas mulheres não eximem certos profissionais de saúde de críticas relacionadas a um escrutínio severo e sistemático de suas vidas. Todavia, as queixas e reclamações não chegam a manchar a imagem de que os serviços são âmbitos institucionais resguardados. Os achados apontam que as MTrT+ entrevistadas não se assujeitaram à pandemia de Covid-19. São sujeitos e sujeitas históricas que protagonizam e ressignificam suas próprias lutas, seus cotidianos e suas formas de cuidar da saúde.
Conclusões/Considerações finais A pandemia de Covid-19 se torna um acontecimento a mais dentre todos os demais que pessoas MTrT+ enfrentam na quotidianidade. Paralelamente à pandemia de Covid-19, transitam pela epidemia de HIV, mas com a possibilidade de se prevenir por meio da PrEP. Através de uma perspectiva situada e consciente, mais explícita em uma conjuntura de crise, as MTrT+ tecem em um entrelaçado de ações conscientes e práticas cujo objetivo é resistir em diálogo com os serviços de saúde.
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