Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO12.3 - A Saúde desde o Sul e a construção de territórios saudáveis e soberania sanitária na América Latina e no Caribe

46668 - “ADMINISTRAÇÃO SULEADA”: POR UMA AGENDA DESCOLONIAL PARA A GESTÃO DA SAÚDE DESDE O SUL GLOBAL
MATEUS DOS SANTOS BRITO - UFBA/ISC, LUÍS EUGÊNIO PORTELA FERNANDES DE SOUZA - UFBA/ISC


Apresentação/Introdução
Da perspectiva da Saúde Coletiva, a gestão de sistemas e serviços de saúde tem sido analisada e estudada, considerando-se a complexidade do exercício administrativo, que inclui funções políticas e técnicas como tomada de decisão e direção, planejamento estratégico, coordenação, organização, controle, solução de conflitos, inovações, avaliação e monitoramento. As ciências em que se baseiam a análise e o estudo da gestão da saúde têm base histórica e epistêmica na racionalidade ocidental do Norte Global, embora haja uma importante produção em regiões do Sul Global, como a América Latina. Faz-se necessário um olhar crítico para observar os modos como estes saberes se estabeleceram e suas relações com as especificidades culturais, éticas, sociais e políticas da gestão da saúde na América Latina. A teoria descolonial pode ajudar a desenvolver esse olhar crítico.

Objetivos
Analisar as possibilidades e os limites de diálogos entre os referenciais teóricos da administração da saúde e a teoria descolonial em desenvolvimento na América Latina.

Metodologia
Trata-se de um ensaio teórico que vem sendo desenvolvido em três etapas: (a) análise dos conceitos e das noções de “burocracia” (Weber, 1972), “gestão” (Mintzberg, 2010), “Nova Administração Pública” (Bresser-Pereira, 1996), “planejamento estratégico-situacional” (Matus, 1993), “gestão em saúde” (Teixeira e Silveira, 2017) e “gestão do SUS (Souza e Viana, 2022); (b) análise da teoria descolonial desenvolvida pelo Grupo Modernidade e Colonialidade Latino-americana (Ballestrin, 2013), contemplando as dimensões da colonialidade do poder, ser e saber (Maldonado-Torres, 2008, 2020; Quijano, 1992, 2005); (c) análise das aproximações e distâncias dentre os conceitos dos dois campos teóricos (gestão e descolonialidade).

Resultados e discussão
Até o momento, as análises realizadas permitiram chegar a três conclusões provisórias. (I) A gestão da saúde, no âmbito da Saúde Coletiva, é entendida como uma prática técnico-política que, historicamente, tem sido marcada pelo patrimonialismo e clientelismo. Experiências e reflexões baseadas no planejamento estratégico-situacional representaram uma tentativa de adequar a gestão da saúde à realidade latino-americana numa perspectiva emancipadora, com sucesso mitigado. O “novo gerencialismo público”, aproximando ideias do setor privado ao setor público, inclusive no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), valorizou a busca da eficiência como estratégia de enfrentamento do Estado patrimonial. (II) O colonialismo funda a modernidade e atravessa a experiência latino-americana, renovando-se mesmo após a independência política formal dos antigos países colônias. O colonialismo renovado (ou a colonialidade) opera em três dimensões: na produção e difusão do saber, por meio da hierarquização e valorização de saberes ocidentais-eurocêntricos em detrimento de saberes subalternizados, populares e tradicionais do Sul Global; no exercício do poder, por meio do estabelecimento de relações de dominação entre classes e grupos sociais, e no exercício da hegemonia, estabelecendo a subalternização das culturas e subjetividades. (III) Que o colonialismo tenha fundado uma prática administrativa patrimonialista e clientelista é fácil entender. A teoria descolonial ajuda, contudo, a entender a permanência do patrimonialismo depois da independência política das antigas colônias. A luta democrática que ensejou a criação do SUS, por sua vez, abriu espaço para uma reflexão crítica sobre a gestão da saúde em que a colonialidade pode ser questionada em suas três dimensões, por meio do diálogo entre saberes ocidentais e locais, hegemônicos e contra-hegemônicos. A valorização da busca da eficiência, por fim, representou uma tentativa de reposicionamento da gestão pública, superando o patrimonialismo sem questionar a distribuição do poder entre as distintas classes e grupos sociais.

Conclusões/Considerações finais
A aproximação entre os estudos sobre a gestão da saúde, no âmbito da Saúde Coletiva, e a teoria descolonial está revelando que tanto a hegemonia colonial quanto a perspectiva contra-hegemônica descolonial estão presentes no debate e na prática administrativa. Para avançar na construção de uma agenda descolonial na gestão da saúde, é necessário repensar o modo como se organizam as instituições de saúde, bem como os sujeitos que historicamente ocupam os espaços de decisão e poder. Em uma região fortemente marcada pela desigualdade social e pelo racismo institucional, promover a equidade racial em cargos de gestão e investir em uma formação descolonial e intercultural dos gestores são caminhos promissores. Para além de reformismos, se faz necessário substituir as estruturas de poder colonialistas, racistas e iníquas presentes nas instituições, por estruturas democráticas e um modus operandi participativo. Para isso, é fundamental desenvolver diálogos horizontais e não hierarquizados entre os saberes, de modo a confluírem em uma práxis descolonial que considere a complexidade da realidade brasileira e do SUS.