Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO11.3 - Envelhecimento e direitos humanos em contexto de iniquidade social

47506 - IN MEMORIAN: RELATO DE CASO DAS LEMBRANÇAS DE UMA MULHER IDOSA NEGRA COM ALZHEIMER
EMANUEL MIRANDA DE SANTANA OLIVEIRA - UFPE, ANTÔNIO BATISTA SILVA - UFPE, ANA PAULA SANTOS PESSOA - UFPE, DANIELLE DE ANDRADE PITANGA MELO - UFPE, NADJA MARIA JORGE ASANO - UFPE


Contextualização
Cada vez mais tem-se estudado o envelhecimento, buscando-se contribuições para que os desafios que se colocam nesta fase da vida sejam experenciados de maneira mais saudável. A Organización Mundial de la Salud – OMS (OMS, 2020), propõe que se possa envelhecer de forma saudável, ou seja, manter-se com boa capacidade funcional mesmo em idades avançadas. Porém, mesmo com estratégias que favoreçam uma experiência saudável na velhice, para um crescente número de sujeitos a experiência do envelhecimento se torna um grande desafio.
A demência, é uma síndrome causada pelo declínio global das habilidades mentais como a linguagem, o pensamento e a orientação, além de atingir mais mulheres que homens (YOUSAF, et al., 2022; YANG, et al., 2022; OPS, 2013). A Doença de Alzheimer (DA), é uma das formas de demência mais comum entre pessoas idosas, e as mulheres apresenta sintomas comuns em diferentes estágios, o leve é marcado pela perda da memória recente, o moderado pelo declínio motor, raciocínio e da linguagem, já no grave, há a rigidez muscular que pode culminar num estado vegetativo e levar o sujeito à morte (YOUSAF, et al., 2022; YANG, et al., 2022; ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD (OPS) OPS, 2013; SANTOS, et al., 2022.).
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2022, 2023), o número de sujeitos autodeclarados negros aumentou mais de 32% no período de 2012 a 2018. Nakamura et al., (2015), estima que no Brasil, 77% dos casos de demência não sejam diagnosticados corretamente, e Feter et al., (2021), revelou que entre 2019 e 2020, a taxa de mortalidade de pacientes negros com demência teve um aumento de 65% enquanto para os brancos o aumento foi de 9%, para os autores, os dados podem revelar a falta de acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Acrescenta-se que a qualidade de vida é fator de risco para a DA e neste sentido, vários autores entre eles Bordieu (2002), Munanga (2017) e Pedreño (2000) observam que a mulher sofre com os processos sistemáticos de violências estruturais e desigualdades oriundas da herança patriarcal da sociedade bem como a misoginia atrelada ao racismo e às desigualdades, a desqualificação e à inferiorização social.


Descrição
Trata-se de um estudo do tipo relato de experiência sobre o acompanhamento psicoterapêutico realizado para uma mulher septuagenária, negra, recém diagnosticada com Doença de Alzheimer (DA) entre o estágio leve e moderado, e com alterações neuropsiquiátricas afetivas. Os atendimentos aconteceram duas vezes por semana, com duração média de 50 minutos, em um consultório particular na cidade de Recife-PE.

Período de Realização
Os atendimentos ocorreram no período de 2020 a 2022, sendo interrompidos em ocasião da morte da mulher idosa.

Objetivos
Para este relato, considerar-se-á majoritariamente as inferências referentes às rememorações da paciente frente suas experiências com o racismo.

Resultados
Observou-se inicialmente queixas sobre as experiências de vida diária e o enfrentamento de alguns desafios que mesmo comuns ao envelhecimento, se colocavam com mais evidência diante da condição de adoecimento. A paciente relatava com significativa tristeza as limitações que lhe causavam medo em circular socialmente, pois reconhecia, mesmo com muita dificuldade, sua limitação cognitiva. Neste sentido, apresentava-se deprimida e com significativos distúrbios do sono.

Aprendizados
A solidez do processo transferencial, possibilitou abertura para rememoração de questões da sua vida, em que emergiram conteúdos relacionados as experiências de exploração, violência e racismo sofridas quando criança, enquanto trabalhava como doméstica. Kilomba (2019, p. 16), alerta para o fato de que “[...] pessoas marginalizadas dificilmente encontram imagens, símbolos ou vocabulário para narrar a sua própria história, ou para nomear o seu próprio trauma”.

Análise Crítica
As experiências de silenciamento durante o curso da vida, impuseram a esta mulher idosa e negra, um esquecimento que nas palavras de Gagnebin (2010, p. 177) “significa, paradoxalmente, impor uma única maneira de lembrar”. Recordar, neste caso, conferiu-lhe a possibilidade, de ter validada parte de sua história, de seu sofrimento e de sua existência que outrora fora abolida assim como tantos registros, histórias, diversidade cultural, raízes e memórias.
Apreende-se desta experiência, que para escuta da subjetividade da pessoa negra, se faz imprescindível como apontam Apolonio e Vertzman (2022) que haja a integração e introjeção da racialidade para que o paciente possa utilizar o terapeuta como objeto. Partindo desta inferência, lembramos que Freud (1974) afirma que é preciso recordar para então repetir e elaborar, contudo nos lembra Safatle (2010, p. 252) “não há esquecimento quando sujeitos sentem-se violados por práticas sistemáticas de violência estatal e de bloqueio da liberdade [...] se há algo que a história nos ensina é: os mortos nunca se calam”, são, pois, eternizados in memoriam.