Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC32.6 - Boas práticas em saúde mental

46394 - A SUSTENTAÇÃO DE UM GRUPO DE OUVIDORES DE VOZES NA ENFERMARIA DE UM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO
ANA LUIZA CAVALCANTI - IPUB - UFRJ, VITÓRIA RICCIARDI - IPUB - UFRJ


Contextualização
Apesar dos muitos avanços galgados pela Luta Antimanicomial no Brasil, ainda há instituições asilares que resistem aos tensionamentos das Políticas Públicas e mantém-se como campo de referência ao tratamento de crises e casos crônicos. O modelo antes hospitalocêntrico responsável por inúmeras violências subjetivas ainda opera alicerçado no saber psiquiátrico que age minimizando os relatos pessoais sobre o adoecimento, restringindo-os ao lugar secundário de mera ilustração da teoria pautada no olhar externo e classificatório de sintomas.
A experiência de ouvir vozes ilustra bem esse tensionamento de forças. Enquanto a psiquiatria tradicional foca na supressão das vozes, Movimento Internacional dos Ouvidores de Vozes, contextualiza a audição de vozes como uma experiência possível de ser vivida por qualquer um, sendo portanto o fenômeno de ouvir vozes parte da experiência humana.
A sustentação de um Grupo de Ouvidores de Vozes dentro de um hospital psiquiátrico, com sujeitos em regime de internação hospitalar é antes de tudo uma reivindicação ao direito de dizer sobre si. Uma oposição radical ao lugar de objeto que o saber biomédico tenta aprisionar os sujeitos que vivenciam esta experiência.

Descrição
Os encontros acontecem semanalmente dentro da instituição asilar. São abertos e flexíveis quanto a possibilidade e o momento de cada participante, considerando seu estado psíquico. A participação ocorre a partir de interesse próprio, e está disponível a receber novos participantes a cada encontro, sem estipular uma frequência rígida, justamente por almejar que a internação dure o tempo mínimo e a assistência possa continuar em pontos de atenção extra hospitalar.
Foram distribuídos cartazes de divulgação por todo o hospital com informações sobre local e hora do encontro. É precondição para participação do grupo o estabelecimento de relação horizontal com os profissionais e estudantes, as falas devem poder ser ditas sem o filtro do saber técnico.
No decorrer encontro algumas falas são registradas em um quadro branco, todos têm liberdade de escrever no quadro e intui-se com isso retornar ao que foi registrado no fim do encontro.


Período de Realização
Até a presente data foram realizados três encontros, datando início em 12/06/2023. Estima-se que até o 9 Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde tenham sido realizados 22 encontros do grupo de Ouvidores de Vozes.


Objetivos
Pensar nas vivências e possíveis efeitos da participação em grupos de Ouvidores de Vozes dentro de um hospital psiquiátrico.

Resultados
Tem se demonstrado que os grupos permitem reflexões acerca do processo de adoecimento e sua representação social. O grupo também mostra-se uma estratégia de valorização da subjetividade diante do endurecimento do asilo, sustentado na segregação e eliminação das diferenças.
O reconhecimento da experiência de ouvir vozes promove a socialização, conectando sujeitos antes isolados em seu sofrimento. Os debates sobre o uso de drogas psiquiátricas é presente em muitos encontros, propiciadora de questionamentos sobre sua eficácia diante da não cessação das vozes. O grupo tem sido relatado como um local seguro de socialização e de acolhida, e mantém-se numericamente preenchido

Aprendizados
O estigma e o preconceito com relação aos transtornos mentais estão enraizados na cultura. Cultura comum a todos nós, incluindo os sujeitos portadores de diagnósticos psiquiátricos, nota-se um receio em se identificar como ouvidor de voz, revelando uma dinâmica discriminatória dentro dos dispositivos assistenciais.
A oferta de acolhimento por pessoas que partilham o mesmo tipo de sofrimento viabiliza um apoio emocional ímpar. O saber está ao lado daqueles que vivenciam a experiência, portanto cabe ao profissional um papel mais passivo na condução do grupo e um empoderamento dos membros.

Análise Crítica
O Grupo de Ouvidores de Vozes sustentado em um regime de internação faz frente ao saber psiquiátrico que pouco valoriza as narrativas em primeira pessoa quando se trata de classificar e eliminar os sintomas. O lugar que nós profissionais participantes ocupamos na dinâmica do grupo nada mais é que o desempenho do papel de mediadores, sustentando o silêncio nos intervalos entre uma fala e outra.
A aposta na sustentação do grupo é viabilizar a construção de um dizer próprio sobre si e sobre as experiências que tomam a cada um. Em um período de crise tido como disruptivo e infertil para a dialetização dos afetos, encontramos no coletivo acesso à elaboração pela fala daquilo que não tem lugar de construção para a ciência.