03/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC32.4 - Saúde mental, ciências sociais e psicanálise |
47445 - ESCUTAS MAR-ÍTIMAS: DECOLONIZAR A PSICANÁLISE BRÍGIDA CAVALCANTI ALVES - UFRN, MÁRIO FRANCIS PETRY LONDERO - UFRN, ANA KARENINA DE MELO ARRAES AMORIM - UFRN, VINÍCIUS CAMPELO PONTE GRANGEIRO URBANO - UERN, MARIA CECÍLIA DOS SANTOS ARAUJO OLIVEIRA - UFRN
Apresentação/Introdução As cenas que transcorrem do encontro de Genivaldo de Jesus Santos, homem, negro, 38 anos, com os policiais Kleber Nascimento, Paulo Rodolpho Lima e William de Barros em Sergipe anunciam mais uma vez o lugar dado aos negros no Brasil. Os laudos médicos e perícias realizadas revelaram que a vítima estava sem uso de entorpecentes, e a causa da morte foi asfixia. No Brasil, a política de raça é um dos pontos centrais para pensar a lógica social e política que estrutura o país. Enquanto colônia de Portugal, em sua fatídica “descoberta”, os colonizadores admitiram para si o poderio sobre as novas terras e como central para essa pesquisa, sobre os povos de África sequestrados a fim de serem escravizados. O professor e teórico Achille Mbembe (2018) discute os termos raça e política de raça como indissociáveis da política de morte nos países colonizados. Mbembe sinaliza a ficção em torno da racialização de alguns corpos, indicando que há uma “economia de biopoder” em que “a função do racismo é regular a distribuição da morte e tornar possíveis as funções assassinas do Estado” (Mbembe, 2018, p. 18). Assim, sendo o racismo decisivo para pensar os acontecimentos atuais no contexto brasileiro, propomos a analisar o fazer clínico-ético-político da psicanálise, no estado do Rio Grande do Norte (RN), diante de pessoas negras em sofrimento, historicamente submetidas a lógicas, sistematizadas, de violência e coerção. É considerando a posição da/o psicanalista importante na escuta das marcas coloniais, presentes no inconsciente dos sujeitos que os encontram, que buscamos pensar a formação e o fazer em psicanálise e, nesse recorte territorial e regional, analisar possíveis construções de uma psicanálise à brasileira, ou ainda, uma psicanálise decolonial e antirracista, com base na indagação de pesquisa: "Qual o lugar da/o psicanalista frente a escuta do racismo ao negro no Brasil?”.
Objetivos Objetivamos, assim, interrogar o fazer clínico-ético-político no percurso de psicanalistas praticantes no RN, diante do racismo ao negro e, de modo específico, buscamos destacar as implicações da política de raça na formação do território brasileiro no fazer psicanalítico e problematizar os posicionamentos clínico-ético-político na formação dos psicanalistas diante dos efeitos do racismo aos negros no Brasil.
Metodologia Assim, a primeira autora indaga: como escrever diante deste cenário, sendo eu: mulher, negra, psicanalista? Conceição Evaristo (2021), em entrevista concedida ao programa Roda Viva, assegura: “A escrita faz vazar a subjetividade”. Portanto, uma contribuição importante que essa pesquisa vislumbra é aliar a escrevivência, construída por Evaristo, e o modo de pesquisar em psicanálise. Dito de outra forma, tomamos como caminho metodológico a utilização da primeira autora como psicanalista negra e cenas dos encontros com outras/os psicanalistas entrevistados, a fim de desenvolver escritos que interroguem o racismo ao negro no Brasil, e como os psicanalistas se situam diante desse fato. Como descreve Fábio Bispo (2021) a escrevivência nasce e se afirma como uma prática de literatura, mas não se aparta do viés político e da crítica social. Ainda, segundo Bispo (2021), a dupla dimensão poética e crítica da escrevivência possibilita o diálogo desse método com o discurso psicanalítico, ou seja, é possível vislumbrar modos de pesquisa entre literatura, psicanálise, e, como escrevivente, complemento: e realidades minorizadas.
Resultados e discussão Os encontros com psicanalistas, em atividades de formação nas escolas de psicanálise, no Rio Grande do Norte, tem exposto as dificuldades desses profissionais em escutar a raça como ponto privilegiado no encontro com sujeitos em sofrimento, ou ainda, como revela a fala de um psicanalista, negro, na abertura de uma das atividades sobre Relações Raciais e Psicanálise, neste ano: “A escola de psicanálise é uma grande bolha racista”. Ao contrário do que se argumenta, a “abolição da escravidão” em 13 de maio de 1888, não resguardou pessoas negras das facetas da colonização, nem salvou seus corpos de padecerem em manicômios, encarceramentos em massa e de assassinados em praça pública, como no caso de Genivaldo Santos e outros. Lívia Sant’anna (2022) aponta: “Nos últimos anos, o racismo que nos asfixia há séculos, tem sido revelado às escâncaras.” No Brasil, o mito da democracia racial sustenta o imaginário de um país harmônico racialmente, assim como alguns psicólogos e psicanalistas brasileiros acreditam não haver na constituição inconsciente marcas de políticas de raça, de cor, advindas do violento processo colonial. Porém, as cenas de racismo estão presentes nos serviços públicos de assistência, saúde, educação, diariamente, sem cessar. Afinal, qual a cor dos nossos usuários?
Conclusões/Considerações finais Nos encontros com psicanalistas buscamos as invenções, fracassos, dificuldades com a temática de raça e o que se tem produzido no acolhimento de sujeitos marcados por uma política racial, a fim de pensar uma clínica psicanalítica decolonial, de escuta mar-íntima. Por escuta mar-ítima propomos uma escuta atenta às narrativas negras nesse território, escuta sobre o trauma coletivo de pessoas arrancadas de seus lugares e embarcadas em travessias marítimas para serem escravizadas, perdendo seus costumes, línguas, famílias, histórias, que se atualizam nas diferentes formas de sofrimento que nos chegam como demanda de análise em diferentes contextos de atuação em que a psicanálise comparece como saber. Ao mesmo tempo, localizar o íntimo no trauma, do que cada um consegue fazer com essa grafia que é anterior mas atual, e se repete constantemente na cena social brasileira.
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