46542 - ENTREVISTA FENOMENOLÓGICA JUNTO A FAMÍLIAS CONTAMINADAS POR AMIANTO LEILA GRAZIELE DE ALMEIDA BRITO - UESB, PATRICIA ANJOS LIMA DE CARVALHO - UESB, HELCA FRANCIOLLI TEIXEIRA REIS - UFBA, THAINAN ALVES SILVA - UESB, VANESSA MEIRA MAIA - UESB, JANARA OLIVEIRA NASCIMENTO - UESB, EDITE LAGO DA SILVA SENA - UESB
Contextualização Desde o início do século XX o amianto tem sido considerado um dos piores causadores de deterioração ambiental e de graves problemas de saúde pública. Na história de sua exploração no Brasil, a mina de Bom Jesus da Serra, no estado da Bahia, foi a primeira a ser descoberta e explorada, entre as décadas de 1930 e 1960 (MOURA, 2019; BENJAMIN et al., 2018). Há indícios de que os ex-trabalhadores, os seus familiares, bem como moradores do entorno foram contaminados com o amianto (D’AREDE, FREITAS e LIMA, 2017).
Descrição Trata-se da experiência de realizar entrevistas do tipo fenomenológica (CARVALHO, 1991) junto à oito famílias contaminadas por amianto, em Bom Jesus da Serra, Bahia, Brasil. Esta experiência é fruto da pesquisa de doutorado em andamento, intitulada “Significado das vivências do Ser do(ente) para famílias contaminadas por amianto”, fundamentada na filosofia de Maurice Merleau-Ponty, cujo cerne é a descrição de vivências tais como se mostram à percepção, mediante processo intersubjetivo.
Período de Realização As entrevistas foram realizadas no mês de agosto de 2022.
Objetivos Com este relato propomos descrever a experiência de realizar entrevistas fenomenológicas junto a famílias contaminadas por amianto, à luz da filosofia de Merleau-Ponty.
Resultados As entrevistas aconteceram nos domicílios de famílias que possuem, pelo menos, um integrante com diagnóstico de doença relacionada ao amianto. Fomos conduzidas pela Associação de Vítimas Contaminadas por Amianto e Famílias Expostas (AVICAFE) à um domicílio no centro do município de Bom Jesus da Serra, para a entrevista-piloto do estudo e, posteriormente, a sete domicílios na zona rural. Antes de iniciar as entrevistas, aplicamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos participantes. Trata-se de entrevista não-estruturada, face a face, que teve como ponto de partida a questão disparadora: Como tem sido, para vocês, conviver com a doença do amianto? As entrevistas possibilitaram a construção de um diário de campo, instrumento de registro de observações que permite a escrita de impressões pessoais sobre falas, comportamentos e relações (MINAYO, 2014). As informações produzidas estão sendo analisadas por meio da técnica da Analítica da Ambiguidade (SENA et al., 2010), um método que permite compreender a descrição de vivências resultantes de estudos de base fenomenológica.
Aprendizados A entrevista fenomenológica tem se mostrado um método adequado à produção de descrições vivenciais e tem permitido o encontro existencial entre pesquisadoras e participantes do estudo, bem como entre os próprios participantes, permitindo o desvelamento do Ser do humano por meio de uma construção intersubjetiva.
Análise Crítica Partimos da premissa de que o participante da pesquisa não é um Ser cuja subjetividade está fechada em si mesmo, velada ao outro. As pessoas são como dois centros quase concêntricos; o que nos aproxima é a nossa natureza sensível e o nosso diferente é o universo sociocultural (MERLEAU-PONTY, 2012). Compreendemos que não somos um universo fechado, abordamos um semelhante a nós e nos colocamos nessa relação de igual.
O diálogo mediado pela entrevista fenomenológica possibilita ao entrevistado rever signos e significações, cifrar seu pensamento, dar novo sentido àquilo que já foi pensado anteriormente, mas que está inacabado. Nesse sentido, a expressão da linguagem conduz-nos à percepção de que ela sempre está inacabada e o processo de objetar significações equivale ao processo de reconhecer-se, vivo, e de vivenciar a potência do seu corpo-próprio (MERLEAU-PONTY, 2012).
Neste ínterim, a experiência de realizar entrevistas fenomenológicas junto a famílias contaminadas por amianto nos abre possibilidade de revelar uma comunidade que já fala por si; que já vive e comunica aquilo que se é através de sua linguagem viva. Para Merleau-Ponty, nós mostramos com um dedo um objeto que já estava no campo visual dos demais; assim também fazemos por meio da entrevista fenomenológica (MERLEAU-PONTY, 2012).
Percebemos que as entrevistas realizadas, transformadas em textos de análise, trouxeram-nos uma linguagem falante, porque operaram em nós um rearranjo de signos e significações existentes para depois transfigurar e objetar uma significação nova. Como nos revela Merleau-Ponty, temos a ilusão de termos compreendido por nós mesmos; no entanto, foram essas falas falantes que nos transformaram e nos tornaram capazes de compreendê-los; permitiram-nos reconhecer algo nosso, mas que só se revelou a partir do encontro, por meio da intersubjetividade (MERLEAU-PONTY, 2012).
Intuímos também, que o se “deixar ultrapassar pela leitura” dos textos empíricos, dos corpos falantes, só ocorre porque nos colocamos diante deles na condição de sujeito falante, com um olhar atento (não apenas o olhar, mas todo o corpo sensível), que toma diante das mensagens exteriores a atitude necessária para que um espetáculo se revele.
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