Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC24.2 - Nada sobre mim, sem mim: Decolonialidade e cuidado integral à saúde

46327 - (GERMIN)AÇÕES DESCOLONIZADORAS-CONTRACOLONIZADORAS EM SAÚDE
RAFAEL AFONSO DA SILVA - FCM-UNICAMP, LUCIANA SALES PURCINO - FCM-UNICAMP


Contextualização
As ações afirmativas para inclusão étnico-racial representaram a ruptura mais significativa com o modelo de universidade branco/racista/eurocêntrico estabelecido no Brasil. Contudo, o próprio sucesso dessas ações favoreceu a constatação de que essa ruptura seria insuficiente sem a confrontação da lógica monoepistêmica que estrutura os currículos dos cursos.
Essa constatação conduziu a experimentos que podem ser compreendidos sob as rubricas: da descolonização, quando envolvem iniciativas de insiders da academia colonizada orientadas para a desestabilização de seu padrão eurocêntrico por meio de conexões com outras matrizes de conhecimento e da investigação de “quem somos nós” no campo da racialização/colonização; e da contracolonização, quando se referem a iniciativas baseadas na presença de representantes de grupos e saberes resistentes à colonização ocidentalista na qualidade de docentes, a exemplo do Encontro de Saberes.
Na área da saúde, em razão da monocultura biomédica e do corporativismo profissional, a tendência foi de passar ao largo dessas possibilidades, sustentando as divergências internas dentro dos limites do tronco epistêmico ocidental.

Descrição
Considerando a ausência de um processo orientado para descolonização-contracolonização na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, foram desenvolvidas algumas ações: a roda de conversa “Racismo epistêmico na saúde e refundação pluriétnica e pluriepistêmica da saúde coletiva”; a articulação, na Unicamp, de uma pequena rede interfaculdades de interessada/os no Encontro de Saberes e, a partir dela, a realização do Fórum “Por uma justiça epistêmica: Encontro de Saberes e outras estratégias de descolonização dos currículos”; a criação da disciplina “Matriz africana e saúde” no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da FCM no formato do Encontro de Saberes como um primeiro experimento de contracolonização.

Período de Realização
As ações foram desenvolvidas em 2022-2023: a roda, em 09/11/2022; a rede, ao longo do primeiro semestre de 2023; o Fórum, em 15/06/2023; a elaboração da disciplina, em maio-junho de 2023

Objetivos
Difundir a perspectiva da descolonização-contracolonização na formação e na pesquisa em saúde; constituir uma rede capaz de sustentar ações dentro dessa perspectiva; produzir um experimento de ensino alinhado a essa perspectiva na FCM.

Resultados
A roda promoveu o diálogo entre representantes das distintas áreas da Saúde Coletiva e José Jorge de Carvalho, idealizador do Encontro de Saberes e permitiu fazer um diagnóstico da colonização epistêmica na saúde e explorar possibilidades a partir do Encontro de Saberes, além de mobilizar pessoas de outras faculdades da Unicamp interessadas nesse movimento.
A rede associou docentes e estudantes da área da saúde, das ciências sociais, da educação e das artes e realizou o Fórum mencionado, continuando mobilizada para construção de outras ações.
O Fórum desenvolveu mesas de debate com representantes do Encontro de Saberes de outras universidades e mestras e mestres de saberes indígenas e afro-brasileiros para discutir a configuração eurocêntrica do mundo acadêmico e estratégias para sua reconfiguração. Reunindo mais de cem pessoas, desembocou na perspectiva de construção de um Programa de Extensão do Encontro de Saberes na Unicamp.
A disciplina foi articulada com duas lideranças negras do Candomblé de Angola de Campinas, Nengua Dia Nkisi Dango Hongolo Menha (Mãe Dango) e Tata Alassinaguê Akinjolê (Pai Alá). O programa da disciplina foi construído na perspectiva do desenvolvimento de diálogos e confluências epistêmicas entre os saberes de matriz africana (no caso, do Candomblé de Angola) e os saberes dos profissionais de saúde.

Aprendizados
A roda permitiu a compreensão de que a inclusão de mestra/es das tradições de conhecimento indígenas e afro-brasileiras na formação é ainda mais necessária no campo da saúde, em razão do sucesso do epistemicídio nesse campo, sucesso baseado na proibição/perseguição de outras artes/ofícios do cuidar.
O processo como um todo demonstrou a importância da construção de redes interdisciplinares e interfaculdades para viabilizar o movimento de descolonização-contracolonização epistêmica na universidade.
A elaboração da disciplina reiterou a importância: da relação entre mestra/es e docente parceiro; da combinação entre diversidade epistêmica e diversidade pedagógica; da combinação entre literatura e oralitura.

Análise Crítica
Apesar de iniciativas potentes, que se estenderam além da FCM, trata-se de movimento ainda incipiente, limitado não somente pela escassa experiência acumulada, mas pela ausência de condições institucionais, como política de outorga de títulos de notório saber para mestra/es das tradições afro-brasileiras e indígenas e de remuneração desta/es. Ademais, as ações alcançaram mais visibilidade externa (dentro da Unicamp) do que na própria FCM e o primeiro experimento de ensino, por dificuldades institucionais, localiza-se na pós-graduação, não na graduação. É longo e tortuoso o caminho a percorrer.