Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC12.2 - Decolonizar teorias, práticas e saberes: Movimentos sociais e populares por Soberania Sanitária em territórios da América Latina e do Caribe

47442 - CONSTRUÇÃO COMPARTILHADA DE CONHECIMENTOS NOS CONFLITOS AMBIENTAIS: O CASO DO PROJETO DE MINERAÇÃO DE URÂNIO E FOSFATO EM SANTA QUITÉRIA - CE
RAFAEL DIAS DE MELO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC, LÍVIA ALVES DIAS RIBEIRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC, RAQUEL MARIA RIGOTTO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC


Contextualização
A Articulação Antinuclear do Ceará (AACE) é uma frente de luta em defesa de territórios ameaçados pelo projeto de mineração de urânio e fosfato que busca se instalar no município de Santa Quitéria, Ceará. Compõem a AACE movimentos sociais, pesquisadores, comunidades camponesas, pescadores(as), povos indígenas, quilombolas e de terreiro potencialmente impactados por esse empreendimento. Diante da assimetria de poder que permeia a decisão sobre a instalação da mineração, na qual, o licenciamento ambiental é peça central, a AACE tem como uma das estratégias de resistência a esse projeto a construção de conhecimentos. Para tanto, uma das frentes de trabalho da AACE é a chamada comissão de construção compartilhada de conhecimentos (CCC).

Descrição
A comissão de CCC vem se dedicando desde o ano de 2014 ao monitoramento e análise crítica do licenciamento ambiental do projeto de mineração, articulando pesquisas participativas que buscam acolher necessidades de conhecimentos de territórios ameaçados, e a análise dos documentos do licenciamento ambiental, destacadamente, os Estudos de Impacto Ambiental (EIAs). Desta ampla experiência, destacamos neste relato o trabalho que culminou na construção do parecer técnico intitulado “Análise das omissões e das insuficiências do Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) referentes ao Projeto Santa Quitéria de mineração de urânio e fosfato”, produzido entre os meses de janeiro a junho de 2022, bem como seus desdobramentos durante esse ano. A elaboração do parecer reuniu 31 pesquisadores de diferentes campos do conhecimento e instituições acadêmicas, movimentos sociais e comunidades. Foram temáticas abordadas no parecer: a saúde humana, em suas interfaces com as dimensões ambiental e do trabalho; as águas; os estudos de fauna; e a ausência de consulta livre, prévia e informada aos povos originários e comunidades tradicionais locais. Durante as audiências públicas realizadas pelo IBAMA como parte do licenciamento ambiental, o parecer foi levado à discussão pela AACE, e oficialmente entregue ao IBAMA, Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública da União.

Período de Realização
De janeiro a dezembro de 2022.


Objetivos
Contribuir com a democratização dos poderes cognitivos diante dos dispositivos de poder do licenciamento ambiental do projeto Santa Quitéria.


Resultados
No período relatado, são resultados do processo de construção compartilhada de conhecimentos no âmbito da AACE: a) uma ampla participação e incidência coletiva nas audiências públicas realizadas pelo IBAMA, qualificando o debate sobre os riscos e impactos do empreendimento; b) pedidos de complementação do EIA pelo IBAMA, após constatação pelo órgão de insuficiências apontadas no parecer técnico; c) a realização de visitas técnicas do IBAMA em terras indígenas invisibilizadas pelo EIA; d) recomendações do MPF pela suspensão do licenciamento ambiental, até que os estudos de impactos fossem complementados; e) a realização de visita técnica do Conselho Nacional de Direitos Humanos para averiguar denúncias de violações de direito humanos no âmbito do licenciamento ambiental do projeto de mineração, e posterior recomendação do conselho pela suspensão do licenciamento.


Aprendizados
Partindo do entendimento dos estudos de impacto ambiental como dispositivo que articula e promove classificações, práticas discursivas e relações de poder voltadas para o esvaziamento dos territórios, observamos como a complexa determinação social da saúde-doença, das relações socioterritoriais e com a natureza de distintos grupos sociais são precariamente abordados. Predomina a ênfase censitária que os reduz a partir de critérios de densidade demográfica, número de equipamentos de saúde, dados sobre a renda, desconsiderando a organização social dos grupos, modos de vida e territorialidades. O processo de produção compartilhada de conhecimentos revelou-se como importante momento de questionamento da desqualificação sistemática dos modos de vida locais operada nos EIAs e de reafirmação desses e dos saberes situados, além de momento estratégico para o acesso às informações sobre o projeto e de produção e difusão de conhecimentos para o seu enfrentamento.


Análise Crítica
A experiência foi reveladora da colonialidade do poder e do saber intrínsecas aos grandes projetos minerários e ao dispositivo dos EIAs, onde violências materiais, simbólicas e epistêmicas articulam-se às raciais e de gênero. A participação das comunidades camponesas, pescadores, povos indígenas, quilombolas e de terreiro nos diferentes momentos aportou elementos fundamentais para compreensão das distintas territorialidades e modos de vida que coexistem na região, para ampliar a compreensão das violências e ameaças que dão continuidade e aprofundam a histórica vulnerabilização social desses grupos.