Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC12.2 - Decolonizar teorias, práticas e saberes: Movimentos sociais e populares por Soberania Sanitária em territórios da América Latina e do Caribe

47333 - O POVO CUIDANDO DO POVO. SOLIDARIEDADE ATIVA E CONSTRUÇÃO COLETIVA DE CONHECIMENTOS NA PROMOÇÃO DE TERRITÓRIOS MAIS SUSTENTÁVEIS E SAUDÁVEIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CAROLINA BURLE DE NIEMEYER - ENSP/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
“O povo cuidando do povo: uma pesquisa-ação participativa sobre os desafios e estratégias ao enfrentamento da COVID-19 em três territórios periféricos no estado do Rio de Janeiro” foi uma pesquisa qualitativa, que assumiu a construção coletiva de conhecimentos como meta em todas as suas fases. Desde os seus objetivos, passando pela definição da metodologia e estratégia de pesquisa de campo, até a sistematização da experiência, esta iniciativa foi construída em diálogo com os movimentos sociais parceiros. Por decisão conjunta, o projeto já surgiu vinculado ao ‘curso de Agentes Populares de Saúde’, uma ação da campanha nacional e popular ‘Periferia Viva’, realizada por esses movimentos sociais em três territórios vulnerabilizados do estado do Rio de Janeiro, os mesmos territórios pesquisados. A ‘Praça do PAC’, uma área urbana da favela de Manguinhos, onde o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) e o levante Popular da Juventude realizavam trabalho de base. A Terra Prometida, uma localidade recente no complexo da Penha, ainda não mapeada pelo estado, onde o Centro de Integração da Serra da Misericórdia (CEM), membro da Rede Carioca de Agricultura Urbana (Rede Cau) desenvolvia ações de agroecologia urbana. E o acampamento Edson Nogueira, na zona rural de Macaé, onde está localizada a Unidade Pedagógica de Agroecologia Marielle Franco, do MST.

Objetivos
De viés multidisciplinar, o projeto teve como objetivo investigar os desafios e potencialidades de três territórios vulneráveis no enfrentamento da Covid-19. Ao longo de dois anos, desenvolvemos um ciclo de oficinas de Pesquisa Popular em Saúde, um curso de Agentes Populares de Saúde e um levantamento de dados socioterritoriais, por meio da aplicação de um questionário composto por sete eixos vinculados aos temas e cronograma do curso de Agentes. As formações foram desenvolvidas junto com os movimentos sociais, buscando o diálogo e a valorização do conhecimento popular de cada um dos territórios. O instrumento foi construído com a contribuição de todos os seguimentos envolvidos, e criticado e validado por eles antes de ser submetido ao CEP.

Metodologia
O projeto foi apoiado em perspectivas dialógicas de viés emancipatório, como a Educação Popular (Freire, 1979; Valla, 1996; Romão, 2006), a ‘Pesquisa Militante’ (Jaumont e Varella,2016), a ‘Construção compartilhada de conhecimento’ (Carvalho, Acioly e Stotz, 2001), a 'Investigação-ação-participativa’ (Thiolent, 1986), e a ‘Investigação participativa baseada na comunidade’ (Dias e Gama, 2004).

Resultados e discussão
Considerando os três territórios, este foi um projeto eminentemente feminino. Das 60 pessoas que se formaram como Agentes Populares de Saúde, 49 eram mulheres. Das 50 que atuaram como pesquisadoras de campo, 43 eram mulheres, assim como a maioria das pessoas que respondeu em nome da família. Na Terra Prometida 80% eram mulheres, em Manguinhos, 63,3%, e, em Macaé, 52,6%.
As pesquisadoras populares contribuíram com a pesquisa aplicando o questionário junto a famílias da sua comunidade e compartilhando a sua vivência no processo de pesquisa, o que foi fundamental para acessarmos o que os dados não conseguiram revelar. Se nos limitássemos aos questionários, concluiríamos que, nos três territórios, não houve problemas de saúde mental, a violência foi praticamente inexistente e a fome não foi relevante. Mas, na avaliação das pesquisadoras populares, muitas respondentes sentiram-se constrangidas pelas questões ou pelo contexto e não responderam o que de fato acontecia, mas os seus gestos e olhares revelaram o que elas não puderam assumir.

Conclusões/Considerações finais
Ao fim do projeto, realizamos uma avaliação coletiva do processo junto às pesquisadoras populares. Os seus depoimentos revelaram que a sua atuação na pesquisa contribuiu para que adquirissem um novo olhar sobre os seus territórios, entendendo o conceito de ‘determinação social da saúde’ (Breilh, 2013) na prática, e percebendo situações de violência e de violações de direito, antes naturalizadas, como ‘situações-limite’ (Freire, 1979). E o estranhamento do que antes era tido como dado é o primeiro passo para a construção dos ‘inéditos viáveis’ (ibid).
A aplicação do questionário em campo foi o maior desafio deste projeto e o seu resultado é reflexo da nossa ousadia. As educandas subverteram algumas regras que comprometeram o rigor científico, de forma que o principal legado desta pesquisa não são os dados coletados, mas o aprendizado desenvolvido no processo. Sob esse aspecto, vale destacar que, em uma pesquisa-ação participativa de viés emancipatório, o próprio processo de pesquisa se torna uma intervenção. Nessa dinâmica, as comunidades se tornam mais capacitadas a definirem e responderem às problemáticas de saúde do seu território e a promoverem o seu papel enquanto agentes de mudança. O resultado é uma melhor investigação, também, pelos critérios científicos, pois os resultados obtidos não seriam possíveis sem a contribuição das/os representantes das comunidades.