Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC12.2 - Decolonizar teorias, práticas e saberes: Movimentos sociais e populares por Soberania Sanitária em territórios da América Latina e do Caribe

47189 - AQUI SE RESPIRA LUTA: UMA EXPERIÊNCIA DE COZINHA POPULAR SOLIDÁRIA
ISABEL PASSOS DELFORGE - UPE, PAULETTE CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE - FIOCRUZ PERNAMBUCO / UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO, LÍVIA MILENA BARBOSA DE DEUS E MÉLLO - UFPE


Contextualização
Este é um relato de luta pela vida. Se dá em um cenário de diversas crises. A crise sanitária da pandemia da COVID-19 e seus impactos no Brasil, considerando uma gestão criminosa do governo Bolsonaro, que ilustra duas outras crises: política e social. Uma crise econômica, com austeridade fiscal e a retirada de direitos conquistados. Em 2022, o Brasil volta ao Mapa da Fome da ONU, com 125,2 milhões de pessoas em domicílios com insegurança alimentar e mais de 33 milhões em situação de fome. Globalmente, uma crise ambiental, que tem mostrado seus efeitos cada vez mais nefastos. Os efeitos dessas crises recaem de maneira desigual sobre a sociedade, na dependência dos determinantes sociais de classe, gênero, raça e etnia. São as camadas mais vulnerabilizadas que vivenciam na pele as piores consequências de todas essas crises do capital.

Descrição
É nesse contexto que surge esse relato. Ele é um relato coletivo, construído a partir de muitas mãos. Surge com o encontro da Residência Multiprofissional em Saúde Mental, da Universidade de Pernambuco, com a Campanha Mãos Solidárias (CMS) e o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A Campanha Mãos Solidárias (CMS) é uma estratégia que se soma à campanha nacional Periferia Viva, ambas surgindo a partir da chegada da pandemia no Brasil, enquanto formas de ampliar a capacidade de resposta da população ao vírus, a partir da solidariedade ativa, levando em conta a falta de uma resposta governamental eficiente para o controle desta. Especificamente, trata sobre minha vivência como residente/militante na construção de uma Cozinha Popular Solidária, no município de Camaragibe-PE, onde atuava enquanto residente. Minha atuação na CMS, se deu, inicialmente, no ano de 2021, a partir do plantão da residência, mas em 2022 se organiza a partir da militância na Brigada Popular Solidária Dom Helder Câmara (BDH), brigada urbana de solidariedade do MST, especificamente na Brigada Territorial de Camaragibe (BTC), uma das cinco brigadas territoriais na Região Metropolitana de Recife (RMR).

Período de Realização
Na madrugada do dia 28 de Maio de 2022, Pernambuco sofreu as consequências do encontro das fortes chuvas com as cidades, com mais de 130 mortes na RMR. Marco este que desencadeou o processo que culminou na constituição da Cozinha Popular Solidária de Camaragibe.

Objetivos
Este relato tem como objetivo sistematizar a experiência de constituição da Cozinha Popular Solidária Irmã Dorothy enquanto espaço de organização política e promoção da saúde.

Resultados
Após as chuvas, mobilizou-se uma atuação em caráter emergencial da BDH, com a arrecadação de água, comida, barracas, lonas e colchões para famílias desabrigadas na Região Metropolitana, no Armazém do Campo do Recife. Além disso, foi criada uma “Cozinha Mãe”, no Ibura, bairro mais afetado, que ficou responsável por oferecer refeições e destinar as doações às comunidades afetadas. Em Camaragibe, no bairro de Nazaré, onde a água ultrapassou a linha da cintura, nos dias que se seguiram, militantes da BTC forneciam almoço e jantar para a população, provindos dessa cozinha, além das distribuição das arrecadações e disseminação de informações, sobre como acionar os órgão públicos necessários e também sobre a leptospirose, sua sintomatologia e redes de cuidado. No domingo, daquela semana, dia cinco de junho, estava programado o curso organizado pela BTC de Educação Popular, com o conteúdo: “Atuar localmente em vista da superação da situação atual” e “Teorizar a Prática em vista do avanço”. Nos utilizamos deste espaço para junto aos comunitários, a partir dos princípios da educação popular, organizarmos nossa cozinha. Ela foi inaugurada no dia 10 de junho de 2022. Atendeu, de maneira emergencial, cinco comunidades diferentes, atingidas pelas chuvas. No resto do ano, continuou seu funcionamento, para atender as três comunidades pertencentes à BTC.

Aprendizados
A partir da constituição da Cozinha, vivenciou-se o conceito de solidariedade ativa e a sua importância para a organização da população na luta por seus direitos. A educação popular entra como chave nesse processo, no qual se intervém e se questiona a realidade ao mesmo tempo, gerando um processo de elevação do nível de consciência e de mobilização popular. A cozinha se torna um espaço de encontro, principalmente de mulheres, mães, racializadas, que vivem de forma mais intensa as violências das opressões e os efeitos da fome e da miséria. Assim, transforma o ato de cozinhar, socialmente designado a nós, em um ato político, coletivo, criando redes de apoio, afeto e cuidado e produzindo saúde.

Análise Crítica
Nesta experiência, percebe-se a ausência do poder público nesses espaços, anteriormente ao ocorrido, com ações preventivas, e a posteriori, com respostas lentas e muitas vezes ineficazes. Destaca-se aqui, o distanciamento da Atenção Básica, que vem sofrendo um processo de desmonte, acentuado na pandemia, desprezando a sua importância na educação, prevenção e promoção da saúde, a partir de sua relação privilegiada com o território.