Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC12.2 - Decolonizar teorias, práticas e saberes: Movimentos sociais e populares por Soberania Sanitária em territórios da América Latina e do Caribe

47007 - A DEFESA DA SAÚDE COMO DEFESA DO TERRITÓRIO: CONTRIBUIÇÕES DESDE AS R-EXISTÊNCIAS EM LUTA CONTRA A MINERAÇÃO DE URÂNIO E FOSFATO NO SEMIÁRIDO CEARENSE
LÍVIA ALVES DIAS RIBEIRO - UFC, RAFAEL DIAS DE MELO - UFC, RAQUEL MARIA RIGOTTO - UFC


Apresentação/Introdução
Relatamos a seguir uma pesquisa em curso, inscrita no contexto de um conflito ambiental envolvendo um projeto extrativista no semiárido do Ceará, nordeste do Brasil. O Projeto Santa Quitéria prevê a mineração e beneficiamento de urânio e fosfato com objetivo de produzir fertilizantes fosfatados e ração animal para abastecer o agronegócio; e concentrado de urânio para produção de energia nuclear, além de combustível para o submarino a propulsão nuclear em construção pela Marinha. A instalação, operação e posterior descomissionamento desse empreendimento, no entanto, envolve consideráveis riscos e impactos à região, fartamente descritos por estudos científicos e pareceres técnicos, especialmente pelo elevado potencial de contaminação radioativa e alta demanda hídrica, em um ambiente de clima semiárido onde o abastecimento humano não atende às necessidades das populações locais. Diante dessa ameaça, foi formada em 2011 a Articulação Antinuclear do Ceará (AACE), que reúne entidades e movimentos sociais, pesquisadores e moradores de comunidades locais, em um processo de elaboração crítica sobre o projeto de mineração, a partir do potencial de impacto de tal atividade à saúde, à natureza e aos territórios. Em meio à pandemia de Covid-19, o referido projeto iniciou seu terceiro procedimento de licenciamento ambiental, situação na qual o movimento de resistência se rearticulou, fortalecendo e diversificando os sujeitos que compõem a AACE, destacadamente com maior participação de populações indígenas e comunidades tradicionais, o que ampliou a compreensão sobre as ameaças que tal atividade representa aos direitos humanos de modo geral. Nesse processo, ao passo em que são identificadas e denunciadas as violências engendradas pelo empreendimento, se fortalece também a afirmação dos modos de vida locais, das distintas territorialidades e dos saberes situados, fornecendo elementos para ampliar a compreensão sobre o processo saúde-doença no contexto dos conflitos ambientais.

Objetivos
O objetivo da pesquisa é analisar as contribuições das r-existências comunitárias frente ao referido projeto à reflexão e defesa do direito à saúde no contexto dos conflitos ambientais. Para tanto, são articulados referenciais da Ecologia Política, dos estudos críticos à Colonialidade e da Saúde Coletiva; parte-se da importância da construção de conhecimentos de denúncia às violências que permeiam os conflitos ambientais, e se busca ir ao encontro da reflexão sobre a saúde inscrita e anunciada desde os territórios de r-existências ameaçados por esse projeto.

Metodologia
A metodologia da pesquisa está fundamentada na Pedagogia do Território, práxis de pesquisa que vem sendo elaborada pelo Núcleo Tramas – Trabalho, Ambiente e Saúde (UFC). De abordagem qualitativa, trata-se de uma pesquisa envolvendo revisão bibliográfica, documental e de campo, com realização de observação participante e entrevistas abertas com sujeitos que compõem esse campo de resistência.

Resultados e discussão
Considerando a concepção de r-existência discutida em Porto-Gonçalves (2006), discute-se sobre a saúde e o direito à saúde a partir dessas existências que se afirmam frente às violações de direitos aprofundadas com a chegada de empreendimentos de grande porte. R-existências que convidam a olhar a dimensão da saúde a partir do que é criativamente produzido; provocando a reflexão acerca da dimensão da saúde no conflito ambiental, ademais da discussão sobre os riscos e impactos, também em uma vertente enunciativa que afirma a luta em defesa da saúde e da vida como uma luta em defesa dos territórios. Dessa forma, amplia-se a compreensão sobre o ato de resistir: em seu curso as culturas comunitárias envolvidas nesse conflito ambiental produzem vida e saúde, r-existem e se presentificam anunciando um território ocupado, concebido e demarcado a partir de lógicas distintas daquelas do Estado e do empreendedor, que insistem em uma narrativa de território de vazios geográficos, culturais e epistêmicos. Sob essa lente são descritas as formas próprias de disputa e afirmação da saúde relacionadas a um território de existência geográfico e epistêmico.

Conclusões/Considerações finais
Por fim, destaca-se a centralidade das inter-relações entre saúde, natureza e corpo-território, abordadas a partir da crítica à Colonialidade, para que seja possível visibilizar os tensionamentos epistêmicos que permeiam os conflitos ambientais e reconhecer os distintos lugares de enunciação e contribuição à luta em defesa da saúde e da vida. A partir do qual se faz necessário deslocar o referencial analítico, do centrado no empreendimento e seus riscos/impactos ao orientado para a produção da vida, onde as histórias de luta pela terra e o território, a produção agrícola, as existências e os modos de vida próprios de cada comunidade, que são reafirmados e mobilizados por diferentes sujeitos locais como corpo político de disputa e resistência no conflito ambiental, sejam reconhecidos como plataforma de projetos de futuro para esses territórios.