Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC5.3 - Racismo, marcadores sociais e o cuidado em saúde

46929 - CONVOCAÇÃO, BUSCA E CELEBRAÇÃO DA CARGA VIRAL INDETECTÁVEL: ANÁLISE DE RELATOS DE PESSOAS QUE VIVEM COM HIV NA INTERNET
ROBSON EVANGELISTA DOS SANTOS FILHO - FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
O avento dos medicamentos antirretrovirais representaram um dos maiores avanços biotecnológicos para lidar com a epidemia de HIV/aids. No Brasil, que já foi considerado referência mundial no controle da epidemia, os remédios são oferecidos gratuita e exclusivamente pelo SUS para todas as pessoas desde a descoberta do diagnóstico. Com a adesão e manutenção desse tratamento, a ação do vírus é inibida, sua quantidade é reduzida e, ainda que continue presente de modo latente no organismo, pode atingir níveis baixos a ponto de não ser detectada em exames, o que consiste na chamada carga viral indetectável. Essa condição sorológica, embora não definitiva, garante mais expectativa e qualidade de vida para as pessoas que vivem com HIV, impedindo a evolução da infecção para a aids, quadro mais grave de comprometimento do sistema imunológico, vulnerabilidade para doenças oportunistas e possibilidade de morte em decorrência delas. Além disso, já é cientificamente comprovado que uma pessoa com a carga viral indetectável não transmite o vírus sexualmente, daí a terapia também ser considerada como um modo de prevenção. Diante disso, surge como problema de pesquisa a emergência do indetectável na contemporaneidade enquanto um nosso status em relação ao HIV, que se junta a outros como soropositivo, soronegativo ou sorointerrogativo.

Objetivos
O objetivo da pesquisa é investigar e compreender como são construídas bioidentidades e biossociabilidades (RABINOW, 1999; ORTEGA, 2003) em torno da carga viral indetectável e como esta categoria se configura e reconfigura a subjetividade das pessoas vivendo com HIV. Desse modo, busca-se evidenciar como elas atribuem, apropriam e ressignificam os sentidos sobre o HIV e a carga viral indetectável, como estabelecem relação com outros nessa mesma condição e como formam suas identidades a partir disso.

Metodologia
Como parte de uma pesquisa maior ainda em andamento, o presente trabalho apresenta discussões e resultados principais das análises iniciais de um dos conjuntos do corpus do estudo. Para tanto, foram tomados como objetos o canal Super Indetectável no YouTube e as páginas do Posithividades no Instagram e TikTok, por apresentarem nessas mídias digitais relatos sobre a indetectabilidade e possuírem bastante projeção em questão de publicações, seguidores, visualizações e curtidas. As análises discursivas desse material se ancoram no referencial teórico-metodológico da Semiolinguística, no que se refere aos sujeitos, identidades e interações sociais, processos narrativos, organização e estratégias discursivas, contextos de produção e recepção, possíveis interpretativos e interdiscursos, de modo a dar conta tanto da construção dos textos em diferentes sistemas semiológicos, a exemplo dos substratos verbal e audiovisual das postagens nas plataformas e redes sociais, quanto da construção social e linguageira dos sentidos que colocam em circulação (CHARAUDEAU, 2005).

Resultados e discussão
A partir disso, evidencia-se categorias de sentidos sobre o indetectável em relação, sobretudo, à vida, saúde e risco, uma vez que essa condição pode permitir o rompimento de estigmas e a modificação de imaginários tão presentes desde os primórdios da epidemia, como os que associam o HIV à morte e doença ou que colocam as pessoas que vivem com o vírus como potenciais transmissoras e, portanto, uma ameaça. No entanto, também há impactos e controle sobre os corpos, comportamentos e estilos de vida e as lógicas do cuidado de si e com outrem, o que se dá a partir de uma perspectiva neoliberal de responsabilização dos próprios sujeitos por se tornarem e continuarem indetectáveis, admitindo as prescrições e consequências para tal, em uma tentativa de aproximação do que é tido como a norma saudável. Em contrapartida, isso promove uma diferenciação com aqueles que, por motivos variados, não atingiram ou conservaram a carga viral indetectável, havendo, desse modo, uma modelização que, atravessada pelo discurso biomédico e baseada em experiências pessoais, cabendo ressaltar que a maioria das pessoas que abordam o assunto na internet são homens jovens, brancos, gays, cis e de classe média, acaba por vezes desconsiderando as distintas realidades e vivências entre as pessoas que vivem com HIV. Já para os que conseguem, a conquista da indetectabilidade é celebrada nos vários relatos encontrados em uma narração de uma trajetória de sucesso, assim como também aparece, por exemplo, na imagem do perfil do Super Indetectável que traz a figura de um super-herói exaltando força, nos diversos produtos comercializados pelo Posithividades que têm o indetectável como uma marca ou na festa que este projeto promoveu convidando as pessoas a comemorarem a vida e a indetectabilidade.

Conclusões/Considerações finais
Portanto, foi possível considerar até então que, mais do que o resultado de um exame de carga viral, o indetectável torna-se uma nova identificação para as pessoas que vivem com HIV, sendo cada vez mais delas exigido, mas também por elas procurado e, ainda, afirmado e exibido como um atributo.