Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO32.4 - Cuidado em liberdade: desafios para a RAPS

46353 - R DE RAPS OU DE RUA? A PERSPECTIVA DO CUIDADO EM LIBERDADE PARA EGRESSOS DE MANICÔMIOS JUDICIÁRIOS
VITÓRIA RICCIARDI - IPUB - UFRJ, ANA LUIZA CAVALCANTI - IPUB - UFRJ, BRUNNA ASSIS CANES DA SILVA - UNIRIO


Apresentação/Introdução
Os hospitais de custódia, enquanto instituições totais, promovem efeitos devastadores de institucionalização aos sujeitos internados. Por essa razão, propomos discutir, o fechamento de tais instituições e o redirecionamento de cuidado aos egressos do sistema, analisando os destinos desses sujeitos que foram excluídos socialmente e nulificados subjetivamente, expostos à violação de direitos e à ausência de tratamentos adequados durante anos.
Ao tomarmos a reforma psiquiátrica como processo político, sabemos que não pode ser pensada como um movimento de progresso contínuo e linear, visto que as leis e a políticas públicas/sociais expressam um determinado momento da conjuntura. Por meio da análise de leis e documentos ministeriais, identifica-se a tendência de remanicomialização do cuidado em saúde mental no Brasil a partir de 2010, evidenciada no crescente financiamento de dispositivos antirreformistas, como por exemplo na inclusão e financiamento das comunidades terapêuticas através da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
Para que a desinstitucionalização ocorra de maneira contundente, é preciso um trabalho sério que implique a superação das limitações nas políticas públicas inclusivas destinadas à garantia e ao estímulo dos processos de escolarização, geração de renda e integração social, que estão para além do fechamento das instituições asilares.
Diante disso, o fechamento dos hospitais de custódia nos convoca a analisar o atual funcionamento da RAPS, levando em consideração as especificidades e fragilidades desta rede, que precisará acolher sujeitos em frágil estado psíquico e com escassez de vínculos sociais extramuros.

Objetivos
Analisar as fragilidades e potências da Rede de Atenção Psicossocial;
Identificar a especificidade da construção de cuidado e assistência para egressos dos hospitais de custódia;
Localizar as ações estabelecidas para a desinstitucionalização dos sujeitos asilados.

Metodologia
A construção metodológica do trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa, baseada em análise documental e a descrição de experiência do trabalho na RAPS vivenciada por parte das autoras desta pesquisa, visando trazer materialidade às discussões teóricas que serão empreendidas. A análise documental visa possibilitar a construção crítica acerca dos seguintes documentos: a resolução 487 de 15/02/2023; Lei nº 10.216; o código penal (1940); a lei nº 7.210 (lei de execução penal); Resolução 32 da (CIT); Decreto presidencial n. 9.761, bem como de outros documentos que forem julgados importantes para a discussão proposta.

Resultados e discussão
A recente resolução nº 487 de 15/02/2023, propõe o alcance da política antimanicomial no âmbito judicial, com vistas a estabelecer diretrizes na implementação da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com deficiência e a Lei 10.216, no âmbito do processo penal e da execução das medidas de segurança.
A estrutura e o processo de articulação do cuidado em saúde mental dos serviços integrantes da RAPS demonstram desafios para a efetivação do processo de desinstitucionalização. A extinção dos hospitais de custódia, corrobora para o apagamento do estigma da dupla-periculosidade: o de louco-criminoso. Em conjunto a isso, precisaremos refletir estratégias possíveis de como superar as fragilidades da RAPS para atender a demanda dos egressos desse sistema de segregação.
Pois, afinal, qual lugar social está sendo reservado a essas pessoas? Vistos historicamente como verdadeiros perigosos, como mais criminosos do que loucos, como intratáveis. Defendemos nesses casos, a perspectiva de construção de um projeto de vida que seja afetiva, ética e politicamente capaz de ressignificar o lugar dessas pessoas.

Conclusões/Considerações finais
Assumir um cuidado territorial implica em investimentos em uma política e em uma rede atenção psicossocial que ainda não está consolidada no Brasil. Lembremo-nos que a liberação não planejada de mão de obra escrava, contribuiu para a entrada de ideários que atribuíssem ao sujeito isolado a responsabilidade pelas questões sociais. É nesse contexto que presenciamos as primeiras iniciativas eugênicas no país, onde questões sociais foram compreendidas a partir da proliferação indesejada de pessoas que se reproduziram, durante consecutivas gerações, construindo a imagem de sujeitos marginais, indesejados e sem lugar. Sob o discurso altruísta de garantia de tratamento, o louco criminoso passou a ser contido e isolado em manicômios judiciários até os dias atuais.
Nesse sentido, torna-se necessário compreender criticamente os processos como o fechamento de manicômios judiciários, partindo do entendimento de que tal medida por si só não garante e nem instrumentaliza melhores condições de vida e acesso aos sujeitos. Em caráter de urgência, devemos repensar a rede ofertada numa perspectiva que reforce o compromisso com a luta antimanicomial, proibicionista e antirracista.