Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO32.2 - Decolonialidade e psicanálise

46944 - UM ESTUDO SOBRE O ATRAVESSAMENTO DO RACISMO ESTRUTURAL NA VIDA DE PSICANALISTAS NEGROS
HANEY SOARES SILVA - USP/UFG, GABRIEL INTICHER BINKOWSKI - USP


Apresentação/Introdução
Este é um relato de pesquisa sobre o projeto homônimo de Mestrado em Psicologia Clínica na Universidade de São Paulo, em andamento. A investigação parte da noção de que a escravização desenvolvida no território brasileiro pelos colonizadores europeus, com a subsequente manipulação ideológica e silenciamento dessa história, culminou no surgimento de um tipo particular e específico de racismo. As especificidades do racismo brasileiro se demonstram a partir da complexidade de sua organização e de seu caráter implícito, encoberto e estrutural, que efetivam violência e segregação a corpos negros de maneira silenciada, sistêmica e difundida em todas as facetas da sociedade. Nessa seara, autores têm evidenciado o atravessamento do racismo estrutural na psicanálise, destacando, dentre outros aspectos, a evidente falta de analistas e analisandos negros. Frente a isso propomos uma pesquisa que protagonize a experiência de sujeitos negros que têm sustentado e a produzido a psicanálise em meio ao racismo que a integra.

Objetivos
Buscamos investigar os efeitos do racismo estrutural brasileiro na vida e no percurso psicanalítico de analistas negros, assim como suas implicações para a própria psicanálise. Assim sendo, objetivamos explorar como as questões sócio-raciais atravessam a história de vida, a formação e a prática de psicanalistas negros e tensionar, a partir desses atravessamentos, possíveis transformações necessárias à psicanálise para enfrentamento e resistência política ao racismo.

Metodologia
Para tanto, nossa proposta metodológica abarca, inicialmente, uma pesquisa bibliográfica e, em uma segunda etapa, a realização de entrevistas de narrativa de história de vida com psicanalistas negros(as), enquanto método de coleta de dados e atividade com potencial interventivo de resistência política e produção subjetiva. Partimos do pressuposto de que narrativas autobiográficas podem desempenhar um grande papel na elaboração de experiências de sofrimento e mal-estar e no reconhecimento de atravessamentos e consequências do racismo que, muitas vezes, são imputadas ao próprio sujeito na forma de responsabilização individual e culpabilização, pois revisitar e recontar a própria história enseja possibilidades de re-conhecer a si mesmo e produzir novos enlaces.

Resultados e discussão
Os resultados da pesquisa, ainda preliminares, decorrentes da pesquisa bibliográfica, evidenciam aspectos importantes do debate: Irmã (2021) apresenta vários questionamentos sobre a incoerente ausência de referenciais negros na psicanálise em um país de maioria negra, ressaltando que o meio psicanalítico tem usufruído da manutenção dos privilégios da branquitude. Melo e Corrêa (2021) argumentam que, para além do histórico segregamento de pessoas negras do meio psicanalítico, o racismo tem sido operado por meio do silenciamento dessas pessoas, que se manifesta também como desvalorização e interdição. Nesse sentido, Silva (2021) afirma que, antes de ter sido possível se tornar uma analista negra, foi necessário se reconhecer enquanto mulher negra para, então, questionar os pressupostos psicanalíticos que sustentam uma noção ideal de universalidade referenciada à branquitude.

Conclusões/Considerações finais
Os achados preliminares da pesquisa têm reforçado nossa hipótese de que o racismo estrutural também se difunde no meio psicanalítico, impactando não apenas a experiência de pessoas negras nesse meio, mas também se reproduzindo em produções teóricas, metodológicas e clínicas. Reforçam também a hipótese de que a experiência cotidiana e sistemática do racismo impacta a experiência formativa, enquanto sujeito e analista, de pessoas negras, o que, consequentemente, produz reverberações em seu modo de fazer clínica, de atuar a psicanálise. A experiência de analistas negros, portanto, abre campo para que seja possível questionar as práticas que, por força da estruturalidade do racismo, ainda se mantêm alienadas aos ideais da branquitude.
Nesse sentido, a produção de uma psicanálise condizente com os princípios da Reforma Psiquiátrica, da luta antimanicomial e das políticas públicas de saúde mental e coletiva pautadas na emancipação e na transformação social requerem a participação dos grupos socialmente marginalizados na renovação de saberes e práticas. Faz-se necessário que os grupos minoritários, além de acesso à formação, sejam escutados de maneira radicalmente ética, potente e produtiva, tanto na posição de sujeitos, quanto na posição de profissionais e produtores de saber.

Referências

Irmã, M. (2021). Vozes negras. Jornal de Psicanálise, 54(101), 271-280.
Melo, A., & Corrêa, H. (2021). O não falar sobre o racismo: uma perspectiva psicanalítica. Trieb, 20(1), 113-126.
Silva, N. (2021). Eu, mulher-negra e a psicanálise brasileira: inquietações. Trieb, 20(2), 89-99.