Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO19.2 - Fomes, interseccionalidades nas políticas públicas em Alimentação e Nutrição

47593 - OBESIDADE E INTERSECCIONALIDADE EM POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL: ONDE ESTÃO OS SILÊNCIOS?
LORRANY SANTOS RODRIGUES - ESCS, NAYARA GARCEZ MIRANDA - SESDF, DANIELLE CABRINI - UFES


Apresentação/Introdução
A obesidade tem sido retratada como problema de saúde pública, as causas são multidimensionais e demonstram interdependência entre fatores biológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais, caracterizando a obesidade sob uma ótica de sindemia. Ao considerar os aspectos raciais, de gênero/sexo e a classe social, a obesidade impacta os indivíduos de formas distintas, principalmente onde há profundas desigualdades e iniquidades sociais, como o Brasil.

Objetivos
O objetivo foi realizar uma análise crítica da narrativa das políticas públicas de saúde brasileiras no cuidado das pessoas com obesidade a partir de uma perspectiva interseccional.

Metodologia
Trata-se de estudo qualitativo exploratório, documental e analítico, baseado na abordagem “What’s the problem represented to be?” conhecida como WPR. Proposta por Carol Bacchi, configura-se como uma ferramenta metodológica de análise crítica de políticas públicas a partir de seis perguntas norteadoras, sustenta a ideia de que as políticas não são apenas reações a problemas estáticos e convida para uma mudança de foco em sua análise, à medida que se concentra em analisar criticamente como os problemas estão representados e como eles são abordados nas políticas públicas. A WPR possibilita compreender as lacunas no processo de formulação e implementação, além de questionar como são construídas as narrativas dominantes e seus processos de legitimação. Foram selecionados dez documentos, publicados entre 2004 a 2021 pelo governo brasileiro. Após a seleção, a análise crítica foi realizada em três etapas, orientada pela abordagem teórico-metodológica da interseccionalidade. Na primeira, foi feita a leitura na íntegra dos documentos selecionados em busca de informações-chave sobre os marcadores sociais gênero/sexo, raça/cor e classe social. A segunda etapa consistiu em responder às seis perguntas para cada documento. A criação de categorias de análise foi a última etapa e é fruto da compilação das respostas das questões propostas e fundamentada na abordagem interseccional. Os marcadores sociais de gênero/sexo foram combinados com vistas a contemplar as múltiplas expressões biológicas e de construção social. Essa escolha se deu a partir das particularidades que envolvem as iniquidades em saúde e de um primeiro olhar sob a perspectiva de análise de narrativas das políticas públicas, expressando o que considerou-se como a “primeira camada” das relações de poder imbricadas no processo.

Resultados e discussão
A análise crítica resultou em três categorias: (i) causas da obesidade e narrativa dominante: quais são os problemas representados?; (ii) narrativa dominante e cuidado em saúde: quais são os efeitos para as pessoas com obesidade?; e (iii) obesidade e interseccionalidade: onde estão os silêncios? O consumo de alimentos e o sedentarismo foram a narrativa dominante encontrada como causas da obesidade. O cuidado intersetorial é citado como necessário na atenção à saúde de indivíduos e coletividades com obesidade, mas, embora os documentos apresentem os conceitos, não foi percebida sua incorporação nas ações, pois elas se concentram nas “soluções” individuais para a narrativa dominante. Surge, assim, uma contradição entre a narrativa da intersetorialidade e as ações propostas. A interseccionalidade foi identificada como um silêncio na narrativa dos documentos. Os silêncios identificados no estudo evidenciam desafios para as políticas públicas de saúde relacionadas ao cuidado da obesidade e a necessidade de inserção da interseccionalidade na construção de estratégias de promoção à saúde e prevenção da obesidade. À medida que a narrativa dominante atribui como soluções para os problemas representados apenas ações de controle individual, há reforço da culpabilização, estigmatização, preconceito e discriminação das pessoas com obesidade. Essa narrativa é produzida em um contexto neoliberal capitalista, que reforça e aquece o mercado produtivo com a criação de produtos e necessidades de consumo individuais em detrimento de ações coletivas para o cuidado das pessoas com obesidade.

Conclusões/Considerações finais
O silêncio da interseccionalidade nas políticas públicas de saúde que se relacionam ao cuidado na obesidade impacta negativamente a garantia de um cuidado integral, universal e equitativo. Contribui, ainda, para manutenção de uma narrativa simplista e individualizada sobre um fenômeno complexo e coletivo, fortalecendo compreensões estigmatizantes, preconceituosas e discriminatórias sobre pessoas com obesidade. Tais achados evocam a necessidade de inclusão da interseccionalidade na elaboração e execução de políticas públicas de saúde e no cuidado das pessoas com obesidade. É preciso contemplar os marcadores sociais de gênero/sexo, raça/cor e classe social e os impactos que os sistemas de opressões existentes exercem sobre os indivíduos e coletividades no surgimento e agravo da obesidade, superando, assim, a narrativa dominante.