Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO10.2 - Reflexões sobre os percursos de pesquisa em Análise Institucional

47571 - INIQUIDADE RACIAL EM ANÁLISE: PERCURSOS POSSÍVEIS A PARTIR DO CAMPO INSTITUCIONALISTA
ANA CRISTINA DOS SANTOS VANGRELINO - DEPARTAMENTO DE SAÚDE COLETIVA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP), SILVIA MARIA SANTIAGO - DEPARTAMENTO DE SAÚDE COLETIVA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP), SOLANGE L´ABBATE - DEPARTAMENTO DE SAÚDE COLETIVA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP)


Apresentação/Introdução
O racismo é um sistema de pensamento produzido para assujeitar grupos populacionais dentro sistema-mundo. Há séculos nós mulheres e homens negras/os e indígenas estamos imersos neste sistema e sofremos com uma formulação de pensamento a nosso respeito e que não é boa, não é generosa, não nos faz justiça, nos coloca a todos numa mesma dimensão, não nos reconhece como diversos, nos desqualifica e nos coloca no nível próximo ao dos animais. O dispositivo de racialidade opera como instrumento disciplinar de relações raciais na subalternização dos seres humanos segundo a raça, como uma tecnologia de poder sobre a racialidade (Carneiro, 2005; Mbembe, 2018). Michael Foucault aos se aprofundar nos processos de assujeitamento deste sistema e seus efeitos, afirma que não há nada fora dos sistemas de poder e que esse assujeitamento pode, dentro destes sistemas, experimentar a consciência de si e momentos de liberdade, da construção de enfrentamento, por dentro dele, reconhecendo o assujeitamento e fazendo a dobra, a crítica, a libertação, mesmo que momentânea, precária e instável. Nós sabemos que não somos o que o sistema de pensamento vigente, logo o sistema de poder, racista, nos diz. Essa consciência nos permite exercer uma legítima defesa de nossos interesses em situações nas quais se identifica algum sinal de iniquidade.
No caso específico da saúde, identificamos a presença de iniquidades raciais em relação a saúde da mulher negra no diagnóstico e tratamento do câncer de mama nos serviços de saúde especializados dos grandes centros urbanos no Brasil. Estudos de Lemos et al. (2020) e Nogueira et al. (2018) entre outros expressam os efeitos das iniquidades raciais para a doença crônica não transmissível e evitável que acomete mulheres negras desde o diagnóstico tardio à redução da sobrevida. Nesse sentido, o estudo realizado buscou analisar, a partir dos resultados de estudos que sugerem a presença de iniquidades raciais no diagnóstico e tratamento desta condição entre as mulheres negras da Região Metropolitana de Campinas no período de 2000 a 2015, a fim de compreender suas trajetórias e identificar elementos que operam nos dispositivos de racialidade tanto de elementos instituídos no acesso de mulheres negras aos serviço especializados de alta densidade tecnológica, bem como, buscar nas narrativas dessas mulheres exercícios de graus de liberdade na defesa por obter equidade na atenção a saúde.

Objetivos
Apresentar o processo de reconhecimento das trajetórias de mulheres negras com câncer de mama no acesso e obtenção de equidade na atenção especializada de alta densidade tecnológica. Refletir sobre as escrevivências no percurso metodológico da pesquisa que apresentem insurgências em relação aos sistemas de poder instituídos. Apresentar as análises de implicação da pesquisadora no processo de construção da pesquisa.

Metodologia
Pesquisa-ação/intervenção de análise das relações raciais e da produção de iniquidades como desdobramento de estudo de casos de câncer de mama atendidos no CAISM/UNICAMP, entre os anos de 2000 a 2015 de mulheres negras residentes em Campinas. Selecionou-se prontuários de casos com estadiamento 0 e estadiamento IV, com idade igual ou acima de 50 anos, de todas as escolaridades. Utilizou-se um diário de campo para registro da trajetória das participantes no serviço especializado e na rede de saúde. Realizou-se entrevista semi aberta com apoio de roteiro de questões orientadoras. Para a análise das relações entre sujeitos e instituições, pesquisadora e pesquisa e as dimensões da implicação utilizou-se diário de pesquisa como dispositivo da Análise Institucional e o referencial das escrevivências como dispositivo de um corpo coletivo negro.

Resultados e discussão
O estudo das iniquidades raciais tem demonstrado que existe e se perpetua direitos diferentes para diferentes humanos. As necessidades de saúde e a prática de cuidado não são escutadas e a discriminação racial se expressa nos corpo das mulheres negras. O cuidado vivenciado entre mulheres negras e brancas tem como diferença o racismo estrutural e institucional. Algumas mulheres trilham trajetórias melhores em relação ao cuidado vivenciado porque constrói para si e em si empoderamentos tanto pela escolaridade, por exemplo, como pela produção de pertencimento coletivo.

Conclusões/Considerações finais
Espera-se reconstituir os percursos tendo como foco os movimentos de busca por diagnóstico e tratamento empreendidos pelos pacientes a partir da suspeita de câncer, com especial atenção para os serviços de saúde utilizados, os cuidados ofertados e os tempos decorridos para acessá-los, bem como buscar nas entrevistas o que produz de cuidado, que insurgências em relação ao fora (rede de saúde, atenção primária) e que práticas a assujeita. Espera-se que os achados da pesquisa tragam novas chaves de análise e desfazimento das práticas que perpetuam o racismo na saúde coletiva.