Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC9.1 - Racismo, formação e saúde I

46126 - A FORMAÇÃO INICIAL DE PESQUISADORES E O ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES NA CIÊNCIA E NA SAÚDE
LUCIANA RODRIGUES LESSA - UFRJ, TAMIRIS PEREIRA RIZZO - UNIFESP, ALEXANDRE BRASIL CARVALHO DA FONSECA - UFRJ


Apresentação/Introdução
A população negra, os quilombolas e os indígenas não participam e pouco se reconhecem na Ciência. É sabido que o conhecimento científico quase não permeia certos espaços geográficos, principalmente aqueles ocupados por comunidades tradicionais e periféricas.
Essa desigualdade se reflete nas práticas credenciadas no Sistema Único de Saúde (SUS). O pressuposto de prestar assistência universal e integral à saúde esbarra numa expertise voltada para os aglomerados urbanos e fundamentada nas práticas ocidentais de saúde. Isso acaba influenciando negativamente a saúde dos povos periféricos, indígenas e quilombolas (LUIZA, et al., 2012; ANUNCIAÇÃO, 2022).
A necessidade de superação das desigualdades étnico-raciais há muito tempo faz parte da agenda da Ciência (UNESCO, 1999). A partir dessa demanda, em 2009 foi instituído o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica nas Políticas Afirmativas (PIBIC-AF), principal expoente das Ações Afirmativas na formação de pesquisadores na graduação.
Na Saúde, essa preocupação também não é recente, por estar inserida na Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) e na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), que preconizam a promoção e o reconhecimento dos saberes e práticas populares de saúde; o incentivo à produção do conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra e indígena; e a criação de programas especiais que facilitem a inserção de alunos de origem indígena nas instituições de ensino e pesquisa (BRASIL, 2002, BRASIL, 2009).
Esse trabalho é um recorte de uma pesquisa de Doutorado, realizada no Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, do Instituto Nutes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Objetivos
Identificar a contribuição do PIBIC-AF para o enfrentamento das desigualdades na Ciência e na Saúde.


Metodologia
Foram concatenados dados de três sítios do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Da página “Fomento Nacional” foram destacados os nomes dos bolsistas vinculados ao PIBIC-AF, entre os anos de 2009 e 2017, na Grande Área das Ciências da Saúde. A partir dos nomes foram identificados na página “Portal Memória— Histórico bolsa/ano” os títulos dos projetos, posteriormente, analisados com a ferramenta “AntConc”. Também foram acessados os dígitos identificadores (ID’s) dos bolsistas, utilizados na extração informações dos Currículos Lattes (Plataforma Lattes) com a ferramenta “ScriptLattes”. Dessa forma foi possível conhecer os projetos desenvolvidos no PIBIC-AF e identificar os egressos que concluíram a pós-graduação stricto sensu.

Resultados e discussão
A coleta de informações realizada nos Currículos Lattes em outubro de 2021 contabilizou 928 egressos do PIBIC-AF, dos quais 160 concluíram o mestrado e 25 o doutorado. Levando-se em conta apenas aqueles que relataram ter concluído a graduação 613 (66%), pode-se considerar que um em cada quatro egressos do PIBIC-AF finalizaram a pós-graduação stricto sensu, resultado bastante satisfatório.
Também foram analisados 1091 projetos de Iniciação Científica desenvolvidos no PIBIC-AF. Observou-se que apenas 3,4% (37) se relacionavam diretamente com o conhecimento de povos originários e comunidades tradicionais ou com questões de saúde da população negra, quilombola e indígena.
Destacam-se dois projetos fundamentados no diálogo entre a ciência e os outros saberes por meio da interculturalidade (CANDAU, 2008). O primeiro projeto, orientado pelo professor Dr. Vilson Caetano de Sousa Junior, da Universidade Federal da Bahia, intitulado como “Saúde e interdições alimentares em terreiros de Candomblé”, analisou o papel desempenhado pelas interdições alimentares no tratamento de algumas doenças e nesses terreiros (SOUSA-JUNIOR, 2022, p.1). O projeto, denominado “Rapé como prática cultural integrativa e terapêutica dos povos indígenas”, foi orientado pela professora Dra. Maria da Graça Hoefel, da Universidade de Brasília, e teve como foco o conhecimento dos povos indígenas situados no Acre, Amazonas e Paraíba (SEVERO, 2022, p.1).
Causa certa estranheza a diminuta parcela de projetos com foco nos conhecimentos tradicionais em saúde e na saúde da população negra, indígena e quilombolas desenvolvidos no seio de um programa de caráter afirmativo. Sobre este aspecto, o PIBIC-AF poderia ser um espaço propício para a promoção da PNASPI e da PNSIPN, no sentido da formação de recursos humanos, da promoção e do reconhecimento dos saberes e das práticas tradicionais de saúde. Evidentemente, não se advoga que estudantes cotistas devem compor projetos exclusivamente dedicados a essas questões, mas suscita-se a reflexão sobre os alcances afirmativos do programa e seus desafios.


Conclusões/Considerações finais
Os resultados apontam para a potencialidade do PIBIC-AF em amenizar as desigualdades étnico-raciais na Ciência e na Saúde, mas deve-se pensar em mecanismos para incentivar o desenvolvimento de projetos com essa temática.