46452 - TRABALHO INVISÍVEL E ‘TRABALHO SUJO’: DESAFIOS DOS TRABALHADORES DE APOIO EM UMA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR NA PANDEMIA DE COVID-19 EMILY LIMA CARVALHO - UFBA/IF BAIANO, MARCELO EDUARDO PFEIFFER CASTELLANOS - UFBA, MÔNICA ANGELIM GOMES DE LIMA - UFBA, HELLEN FERREIRA DA SILVA SANTOS - UFBA
Apresentação/Introdução Os trabalhadores de apoio enfrentaram maiores desafios na pandemia de covid-19. Um inquérito realizado pela Fiocruz, em 2021, demonstrou que existem pelo menos 2 milhões desses trabalhadores atuando na área da saúde e a maioria não se sentiu protegido por sua instituição, durante a covid-19. Anteriormente à pandemia, esses trabalhadores já não eram reconhecidos como trabalhadores de saúde, sendo colocados em uma posição invisível e periférica na hierarquia do trabalho em saúde.
A ‘divisão moral do trabalho’, conceito que integra os estudos sociológicos sobre ‘trabalho sujo’, demonstra que profissões que exigem conhecimento avançado são prestigiadas socialmente, enquanto aquelas que não exigem competências são desvalorizadas. No ambiente hospitalar, essa divisão é evidente: a noção de ‘trabalho sujo’ permeia as relações sociais que envolvem as atividades de apoio (higienização, transporte de pacientes, contato com mortos, contato com fluidos corporais, etc). Os trabalhadores que atuam nessas áreas são invisibilizados por gestores, colegas de trabalho, usuários do serviço e população em geral e são submetidos a desproteção social, vínculos de trabalho frágeis e precários e subalternização das atividades.
Objetivos É objetivo deste relato de pesquisa compreender os desafios enfrentados por esses profissionais no contexto da pandemia de covid-19 em consequência da invisibilidade e do caráter de ‘trabalho sujo’ atribuído a suas atividades.
Metodologia Dentro de uma pesquisa ampla sobre saúde do trabalhador de saúde, na pandemia de covid-19, foram realizadas vinte e duas entrevistas semi estruturadas, na modalidade virtual, com sete maqueiros, seis assistentes administrativos e nove higienizadores em uma instituição hospitalar estadual, referência para o tratamento de covid-19 na Bahia.
A população de estudo foi composta por 11 homens e 10 mulheres, com faixa etária de 22 a 53 anos, dos quais: 19 negros, uma branca, uma sem autodeclaração e um sem informações sociodemográficas. As entrevistas duraram entre 28 minutos e 1h49min, sendo todas gravadas e transcritas. A categorização ocorreu com apoio do software Nvivo. Empreendeu-se análise temática de conteúdo de Bardin para identificar os principais desafios apontados, interpretados a partir dos conceitos de invisibilidade e de ‘trabalho sujo’ nos relatos.
Resultados e discussão Essas equipes contribuíram intensamente para a concretização das adaptações realizadas neste hospital e viveram a intensificação das atividades de trabalho e as mudanças de atribuição. Apesar da sobrecarga de trabalho, os gestores não redimensionaram as equipes de apoio na mesma velocidade que providenciaram o redimensionamento das equipes clínicas, demonstrando a relevância destas, em detrimento das primeiras.
Nesse contexto, também houve a intensificação da supervisão sobre a atividade desses trabalhadores. Além da pressão temporal empregada para a conclusão das atividades e atendimento das demandas de internação, os trabalhadores apontaram a cobrança por um trabalho irretocável (por notificações verbais e monitoramento pelo circuito interno de câmeras).
Os trabalhadores de apoio relataram entrar em conflito com trabalhadores das equipes clínicas, ao alertarem quando algo precisava ser ajustado em prol da segurança do paciente, da equipe de trabalho, ou da instituição. Mesmo trabalhadores clínicos inexperientes, utilizaram de sua posição para colocar os trabalhadores de apoio em uma posição inferior. Em contrapartida, expressões de reconhecimento pelo trabalho ficaram contidas a agradecimentos eventuais de chefes imediatos e colegas de trabalho.
As equipes de apoio mobilizaram intensamente suas habilidades cognitivas, experiências de trabalho, recursos internos e competências corporais para a execução de ações compatíveis com as necessidades das situações de trabalho. Demonstraram um verdadeiro compromisso moral com o trabalho, apesar de vivenciarem as consequências da invisibilidade: falta de reconhecimento, conflitos.
Especialmente pela vinculação ao ‘trabalho sujo’ esses trabalhadores se depararam com o desprezo de trabalhadores das equipes clínicas materializado em atitudes que reafirmavam o lugar de subalternidade de suas atividades e de sua experiência.
Nesse cenário, as noções de invisibilidade e ‘trabalho sujo’ permearam as relações de tal maneira, que os episódios pontuais de reconhecimento não resultaram em ganhos concretos (fortalecimento de vínculo trabalhista ou mudanças da cultura institucional).
Conclusões/Considerações finais As categorias trabalho invisível e trabalho sujo permitem compreender os desafios enfrentados pelas equipes de apoio no contexto da covid-19. Analisá-los a partir dessas categorias demonstra a necessidade de se investir em agendas políticas que visem a valorização efetiva desses trabalhadores e revertam esse cenário. Apesar de sua essencialidade, esses trabalhadores não alcançaram ganhos simbólicos ou materiais.
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