02/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC33.3 - Política de ST / VISAT e Precarização do Trabalho III |
46189 - CALCULANDO A DEMANDA REPRIMIDA, QUANTIFICANDO O TRABALHO (NÃO) REALIZADO EM SAÚDE. PEDRO HENRIQUE CUNHA ARAUJO - UERJ, HENRIQUE DE AZEREDO MIRENDA - UERJ
Apresentação/Introdução Existe um hiato entre a determinação legal do direito à saúde e sua garantia efetiva. Uma vez que uma definição precisa do que constitui necessidade em saúde não pode ser encontrada na Constituição Federal (CF), os contornos do que é “de direito” em saúde permanecem abertos, sendo lapidados através de uma série disputas entre usuários, acadêmicos, profissionais e gestores da saúde. Esforço que envolve também conceituar as fronteiras entre doença, cura e saúde.
Essa tensão pode ser exemplificada na questão da acessibilidade ao atendimento médico: ainda que não exista controvérsia de que o acesso à consultas médicas constitui um ponto indispensável do cuidado em saúde (mesmo que certa centralidade da medicina deva ser questionada na organização do sistema de saúde), sua concretização depende da disponibilidade deste recurso humano nas unidades de saúde e sua adequação às necessidades em saúde (1) culmina no esforço de quantificação da densidade de médicos na população (o que, inversamente, é o cálculo do tamanho das listas de pacientes dos ambulatórios de atenção primária).
Este trabalho trata-se da apresentação dos dados preliminares obtidos na pesquisa para elaboração de trabalho de conclusão de residência de Medicina de Família e Comunidade (MFC) do programa de residência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Objetivos Objetivamos o cálculo das variáveis relacionadas à cobertura de assistência médica em uma Unidade Básica no município do Rio de Janeiro: pressão assistencial e frequentação (2); na finalidade de contribuir para os debates em torno da adequação deste recurso às necessidades em saúde.
Metodologia Obtivemos dados primários do sistema eletrônico de registro da Clínica da Família Sergio Vieira de Melo (CF SVM), a qual sedia residência de MFC conveniada à UERJ. Os dados obtidos foram: população cadastrada por equipe, produtividade (quantidade de consultas médicas realizadas) e quantidade de carga horária médica assistencial (necessária para estimar a pressão assistencial).
Pressão assistencial corresponde à quantidade de trabalho médico realizada por unidade de tempo, geralmente consultas por hora (seu inverso é o tempo médio de consulta – e.g. uma pressão assistencial de 4 consultas por hora significa um tempo médio de consultas de 15 minutos). Foi calculada dividindo o total de consultas médicas pela quantidade de horas médicas trabalhadas em um período. Esta varável permite analisar a carga de trabalho do profissional.
Frequentação corresponde à quantidade de consultas médicas realizadas por habitante por unidade de tempo, expressa em consultas por habitante por ano. Esta variável é útil para analisar a densidade do trabalho médico em uma população específica, permitindo inferências sobre estar adequada ou não às necessidades populacionais.
Resultados e discussão A CF SVM possui 6 equipes, 5 das quais estão preenchidas com residentes de MFC. A carga horária assistencial por equipe é de 38 horas/semana (maior do que o habitual de 32 h/semana nas equipes sem residência médica). A população cadastrada total é de aproximadamente 21100 habitantes, sendo 3100 cadastros eventuais (mas que acessam a unidade e fazem parte de sua população atendida) e 18000 definitivos (em média, portanto, 3000 por equipe).
A quantidade de consultas médicas realizadas em um período de 12 meses foi de 28447. Isso permite calcular uma frequentação de 1,35 a 1,58 consultas/habitante/ano (28447 / 18000 a 21000). Esse número é algo inferior à média identificada em estudos nacionais, de 1,7 com/hab/ano. (2)
No cálculo da pressão assistencial foi considerado um período de 17 semanas onde foram realizados 9300 atendimentos, havendo aproximadamente 204 horas de trabalho médico por semana, 3468 h no total, portanto. O valor encontrado de pressão assistencial foi de 2,68 consultas/hora (9300 / 3468) ou 22 minutos/ consulta.
Conclusões/Considerações finais A média de consultas médicas por habitante por ano (frequentação), sugerida nos parâmetros assistenciais do no Sistema Único de Saúde (SUS) através da Portaria n.º 1101/GM, 12 de junho de 2002, é de 2 a 3 consultas por hab/ano. (3) Esta sugestão é compatível com as recomendações internacionais. (2,4,5) Essa Portaria, entretanto, foi revogada pela Portaria nº 1.631, 1º de outubro de 2015 (6), onde não encontramos especificação indicativa, o que, sugerimos, sinaliza um regresso na consolidação da discussão sobre as necessidades em saúde.
De todo modo, identificamos uma frequentação aquém daquela proposta em documentações oficiais. Isso significa que uma parcela de trabalho médico, necessário, não é realizada. A constatação de que a pressão assistencial já encontra-se no limite do preconizado pelo Conselho Federal de Medicina de 20 minutos por consulta ambulatorial geral (7) informa que não se trata de baixa produtividade médica, sendo corolário que estamos diante de demanda reprimida, portanto, uma capacidade instalada insuficiente em relação às necessidades em saúde.
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