Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC26.2 - Tornar-se mulheres e mães em contextos de situação de rua: quais os reais dilemas?

46815 - “NÓS NÃO SOMOS UM NÚMERO NAS RUAS”: UMA ANÁLISE INTERSECCIONAL DA VIVÊNCIA DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA
ANA CAROLINA DE MORAES TEIXEIRA VILELA DANTAS - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS, RAFAELA ALVES MARINHO - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS, ANA LUÍSA JORGE MARTINS - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS, ANA MARIA CALDEIRA OLIVEIRA - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS, LUÍSA DA MATTA MACHADO FERNANDES - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS, ANELISE ANDRADE DE SOUZA - UFOP E INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS, HELVÉCIO MIRANDA MAGALHÃES JÚNIOR - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS, PALOMA FERREIRA COELHO SILVA - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS, RÔMULO PAES DE SOUSA - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS


Apresentação/Introdução
De acordo com o Portal Dados Abertos da Prefeitura de Belo Horizonte, em março de 2023, havia 11.339 pessoas em situação de rua cadastradas para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Desse total, 1.160 (10,2%) eram mulheres e, dessas, 972 (83,8%) se autodeclararam pardas ou pretas. A pesquisa “Alcance das políticas de proteção social e de saúde do município de Belo Horizonte para a população em situação de rua frente à pandemia da COVID-19”, realizada pelo Instituto René Rachou/Fiocruz Minas, evidenciou que, embora estejam em menor número nas ruas, as mulheres enfrentam dificuldades específicas no que se refere à insuficiência de equipamentos socioassistenciais, ao acesso aos serviços de saúde, à violência de gênero, dentre outros aspectos.

Objetivos
Como desdobramento dessa pesquisa, tem-se por objetivo, agora, compreender, a partir de uma análise interseccional, os aspectos estruturantes da vivência de mulheres com trajetória de vida nas ruas no município de Belo Horizonte – MG.

Metodologia
Para tanto, a primeira etapa consistiu no retorno ao banco de dados qualitativo do projeto mencionado anteriormente para a análise de 13 entrevistas individuais, quatro grupos focais com a PSR e 11 categorias temáticas oriundas da análise de conteúdo na perspectiva da PSR, a saber: Saúde; Assistência Social; Segurança alimentar; Habitação/moradia; Trabalho/transferência de renda; Violências; Autocuidado; Estratégias de sobrevivência; Ocupação do tempo/cotidiano; Relato de vida na rua; Projeto de vida/esperança. A seleção dessas categorias foi feita a fim de contemplar três aspectos da trajetória de vida: ida para as ruas, vivência nas ruas e perspectivas de futuro. Os resultados a seguir são frutos dessa primeira etapa que objetivou auxiliar na elaboração do modelo analítico que direcionará a coleta de dados na segunda etapa através do método de trajetória de vida. O banco de dados analisado incluiu a participação total de 48 PSR, das quais 10 eram mulheres.

Resultados e discussão
Com relação aos motivos de ida para as ruas, se destacam os acontecimentos no âmbito pessoal, como a morte de entes próximos, divórcio, desemprego ou insuficiência da renda para arcar com o aluguel e despesas familiares, acirramento da crise financeira como consequência da pandemia. A organização do cotidiano durante a vivência nas ruas está atrelada às estratégias de autoproteção, garantia de acesso à alimentação, renda, higiene pessoal, ao repouso, utilizando para isso os equipamentos socioassistenciais, o restaurante popular, os espaços da Pastoral de Rua, além de doações da sociedade civil. O uso dos serviços de saúde se dá, principalmente, nos níveis de urgência e emergência, sendo poucas as menções à prevenção de doenças ou promoção da saúde, além da dificuldade na continuidade do tratamento com relação à saúde mental. Também persistem dificuldades de acesso por falta de documentos pessoais, barreiras simbólicas que rementem ao preconceito de alguns profissionais com a PSR e, no geral, necessitam de intermédio de outros profissionais da rede para serem atendidos. As perspectivas de futuro dizem respeito à experiência com economia solidária através de iniciativas da Pastoral de Rua, a oportunidades de realizar cursos profissionalizantes, ao desejo de restabelecer vínculos familiares e de ter acesso ao trabalho e à moradia como condições fundamentais para retomar a dignidade e a capacidade de fazer novos planos. De modo geral, de acordo com a literatura, a experiência nas ruas não acontece da mesma maneira para homens e mulheres, e são distintos os motivos que os levam à situação de rua. Para algumas mulheres, a ida para as ruas está associada às violências no contexto doméstico, à dificuldade financeira, ao uso de drogas e ao rompimento dos vínculos sociais e familiares e representa uma fuga dessas situações para as quais não desejam retornar, e sim construir novas realidades.

Conclusões/Considerações finais
Nessa etapa da pesquisa, observou-se que as categorias temáticas analisadas estão imbricadas entre si e com a vivência nas ruas, revelando a diminuição da autonomia da PSR, uma vez que a organização do cotidiano é pautada pelas dinâmicas dos serviços socioassistenciais; o que configura a institucionalização da vida dessas pessoas, que ficam “de fila em fila” para atender suas necessidades básicas. A abordagem da interseccionalidade é um caminho teórico-metodológico que pode contribuir com elementos fundamentais para a compreensão do problema descrito, especialmente quanto à experiência das mulheres vivendo em situação de rua, sobre as quais recai uma conjunção de fatores que se entrelaçam, colocando-as em posição de maior desigualdade e exclusão social. Assim, é fundamental compreender como esses aspectos se cruzam e forjam a experiência dessas mulheres a fim de direcionar políticas públicas pautadas pela universalidade, integralidade e justiça social.