02/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC26.1 - Apostar na vida: desafios para a saúde na reinvenção do cuidado |
47249 - A PRÁTICA MÉDICA DO CONSULTÓRIO NA RUA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO NA PERSPECTIVA DA CLÍNICA AMPLIADA LUIZ GUILHERME LEAL FERREIRA FILHO - ESNP/IOCRUZ, ALDA LACERDA - EPSJV/FIOCRUZ, MIRNA DE BARROS TEIXEIRA - ENSP/FIOCRUZ, DIONETE MENEZES DE BRITO FERREIRA - SMS RJ
Apresentação/Introdução A população em situação de rua (PSR) é um grupo habitualmente excluído e invisibilizado dentro do sistema censitário nacional do IBGE. Por outro lado, o Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas estimou 281.472 mil cidadãos em situação de rua no Brasil em 2022, evidenciando um aumento de 211% se comparado ao mesmo levantamento realizado em 2012. Essa invisibilidade histórica pode ser parcialmente explicada pelas raízes da escravidão no Brasil que destinou às ruas do país (e à pobreza) centenas de escravizados “libertos”. Dentro do senso comum, a mendicância e a vadiagem do indivíduo que é “apto para o trabalho”, mas “opta pela ociosidade”, tornaram o “morador de rua” um contraventor a ser combatido e não um Cidadão.
A Cidade do Rio de Janeiro optou por implantar suas equipes de Consultório na Rua (CnaR) em sua Atenção Básica (APS) incluindo o profissional médico para oportunizar um cuidado mais ágil. Ao analisar o discurso médico inserido no CnaR evidenciamos mudanças inovadoras no saber-fazer presentes nesse profissional habitualmente colocado pelo senso comum como conservador e centrado no paradigma biomédico.
Objetivos Apontar a importância da inovação das práticas emancipatórias dos CnaR para a promoção de contextos favoráveis à vida e à dignidade da PSR, na perspectiva da Clínica Ampliada.
Metodologia Esse estudo qualitativo utiliza o material coletado pela pesquisa-fonte intitulada “Avaliação da efetividade do modelo de atenção primária à saúde das equipes de Consultório na Rua do Município do Rio de Janeiro”. O atual recorte analítico analisa a prática médica inserida nestas equipes de CnaR entre dezembro de 2016 e junho de 2017, sob a perspectiva da clínica ampliada (CLA).
Resultados e discussão Características que contextualizam a prática medica CnaR e sua interação multiprofissional: 1-Forte sentimento de pertencimento à equipe e consenso nos planejamentos; 2- Autocrítica permanente sobre seu trabalho dentro da equipe; 3- Práxis não limitada às atividades da medicina e modificada pelas territorialidades vivenciadas; 4- O cuidado integral sendo uma decisão emancipatória radical exercida no cotidiano; 5- O Cuidado médico articulado a outras práticas promotoras de saúde; 6- A CLA permite ao médico exercer práticas habitualmente delegadas a segundo plano pelo modelo biomédico como acolhimento, educação popular e apoio psicossocial; 7- O conceito ampliado de saúde sendo a base da práxis médica a favor da integralidade 8- Atitude generalista; 9- A “imprevisibilidade das ruas” incorporadas como elemento do próprio planejamento da equipe.
Desafios: a) Persistência do paradigma biomédico e sucateamento da APS; b) Gerir o cuidado a partir da instabilidade das tecnologias da informação; c) Dificuldades estruturais da APS e violência urbana; d) Dificuldades inerentes ao trabalho multiprofissional e; e) Dificuldades no trabalho intersetorial.
A partir da Constituição de 1988 foi possível incluir a saúde como um direito do cidadão e dever do estado. A PNAB 2011 inovou ao incluir na APS equipes multiprofissionais denominadas CnaR para potencializar o cuidado com a PSR. O cuidado, portanto, passa a ser entendido como uma ação técnico-assistencial (mas não limitada a ela) que pressupõem um distanciamento do modelo biomédico por meio de parâmetros técnicos, éticos, humanitários e de solidariedade para o enfrentamento dos processos vulnerantes presentes na vida do usuário. No CnaR o Cuidado é operado por meio da Clínica Ampliada, buscando a garantia do acesso a uma miríade de direitos civis e cuidados especializados em saúde que seriam inacessíveis se realizados de forma desarticulada. O enfoque emancipatório dessa práxis visa contribuir para a autonomia e a emancipação dos sujeitos e coletivos, apoiando o protagonismo de suas próprias histórias e modos de viver na construção de trajetórias de enfrentamento contra as desigualdades e exclusões.
Conclusões/Considerações finais No percurso para contemplar os objetivos desse trabalho, destaco a dificuldade em dissociar a prática médica das demais atividades profissionais devido à forte interdisciplinaridade e integralidade presentes nas entrevistas. É possível inferir pelo discurso médico do CnaR que essa equipe possui vocação ao "advocacy" em relação a defesa do cuidado integral à PSR. E, refletindo sobre o cuidado emancipatório incorporado na prática diária desse profissional, este aparece como mais uma função “não convencional” do profissional médico do CnaR.
Os discursos abandonam as noções tradicionais do médico como “salvador” ou do reducionismo sobre os problemas relativos ao uso de álcool e outras drogas para proclamar cotidianamente uma práxis antiproibicionista, a favor dos ideais da reforma Psiquiátrica, baseada na Clínica Ampliada, Redução de Danos e princípios da educação para a autonomia como expressão convicta de que as propostas interdisciplinares são capazes de superas as dificuldades e romper com a invisibilidade e exclusão que a sociedade comumente destina à condição de rua.
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