Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC25.3 - Autonomia e saúde mental: alternativas terapêuticas e contra-hegemônicas para a cidadania do cuidado

47222 - CUIDADOS EM SAÚDE E PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA: UMA ETNOGRAFIA JUNTO AS PESSOAS QUE CONSOMEM DROGAS
LEANDRO ROQUE DA SILVA - UFRN, INDIANARA MARIA FERNANDES FERREIRA - UFRN, ANA KARENINA DE MELO ARRAES AMORIM - UFRN


Apresentação/Introdução
Há tempos conhecidas e fazendo parte das relações humanas, as drogas encerram diferentes significados e saberes em seu entorno a partir do ponto de vista como são olhadas e experienciadas. Desde a elaboração de leis repressivas sobre os psicoativos, ao discurso moral na construção da questão problemática, houve uma convergência para a ilegalidade de determinadas drogas e a legitimação de outras, cruzando modelos político-jurídicos e médico-psicológicos na composição das explicações junto ao fenômeno (Cruz, Machado e Fernandes, 2012). Neste aspecto, entendemos que para potencializar as redes de cuidado é necessário, ao mesmo tempo, pensar nos modos de vida, refletindo junto a estes atores as próprias histórias e os seus modos de existência e resistência. Desta forma, o presente relato de pesquisa faz parte dos resultados iniciais de um estudo de doutorado vinculado ao programa de pós-graduação em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Objetivos
Partimos do objetivo de conhecer os modos de produção do cuidado das pessoas que usam drogas e as relações que estas mantêm entre os territórios e as instituições acessadas em uma cidade da Paraíba.

Metodologia
Neste trabalho, situamos a etnografia como uma forma de acompanhar os indivíduos em seus trajetos habituais (Magnani, 2002), revelando um mapa de deslocamentos em contextos variados que estes acessam em suas vidas. E utilizando o diário de campo foi possível historicizar e registrar o cotidiano vivenciado, colocando em análise os acontecimentos como possibilidade de rompimento das ordens instituídas que ali se apresentavam nas relações de cuidado em saúde (Fernandes, 2002 & Weber, 2009). Os encontros em campo, foram nomeados de “caminhadas etnográficas” e “conversas de beira de muro”, e ocorreram tanto no Centro de Atenção Psicossocial para pessoas com problemas decorrentes ao uso de álcool e outras drogas CAPS AD III como também no próprio território que se localiza este serviço da rede de saúde.

Resultados e discussão
O período de imersão em campo problematizado neste relato ocorreu entre junho e dezembro de 2021, e por se tratar de uma fase inicial da pesquisa, os resultados aqui expostos são transitórios assim como a dinâmica que encontramos junto a convivência com os participantes. Se trata de pessoas com uma relação prejudicial com as drogas, sendo a maioria do sexo masculino e todos acima de 18 anos. Encontramos narrativas que descrevem estratégias para a diminuição de um lugar de estigma e preconceito diante do uso das substâncias nas relações cotidianas. Tais narrativas se aproximam de modelos inventados de cuidado executados na rotina diária, que geram outras práticas para o enfrentamento das situações vivenciadas. Neste sentido concordamos com Correa-Urquiza (2012) quando se refere a práticas que vivem escondidas, que prestam mais atenção a uma lógica de ultrapassagem, no sentido de que emergem apesar da opressão e do estigma decorrentes de uma política proibicionista no país. São práticas que inventam o cotidiano e produzem fissuras no próprio sistema (Certeau, 1998). É neste sentido que diferentes modelos de cuidado criados e executados nos territórios podem gerar outras práticas relacionadas às formas de enfrentamento das situações. Desta forma, os resultados destacam a importância de refletir sobre os territórios que se constituem no cotidiano em que ocorrem a transformação dos cenários naturais junto a história social da própria vida.

Conclusões/Considerações finais
Em primeiro lugar, reconhecemos que estamos trilhando o campo do uso ampliado das substâncias, compreendendo que tais usos compõem as diversas formas de se relacionar com os tóxicos, inclusive aquelas prejudiciais e problemáticas, mas também aquelas prazerosas e de reapropriação de mundo. E em segundo lugar, e que talvez seja o que fundamenta essa pesquisa, é a tentativa de evidenciar uma possibilidade de construir “certas” modalidades de cuidado na dimensão conflituosa da vida urbana contemporânea, a partir dos próprios atores envolvidos. Atores estes marginalizados e condicionados a abjetos, mas que ocupam um lugar estratégico numa sociedade consumista. Portanto, se faz necessário evidenciar os sentidos dos usos, abusos e reduções, fazendo com que possamos aprender com as mesmas que há algo mais no ar do que a fumaça dos tóxicos, e que para além do odor sintético dos solventes ou do inebriante cheiro do álcool, pessoas usuárias de drogas tem algo a mais a dizer.