Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC25.1 - Práticas de cuidado, de educação e de atenção: pluralidade na formação de saberes emancipatórios e complementares na saúde

46464 - CUIDADO E DÁDIVA: REFLEXÕES A PARTIR DO CURSO EDUCAÇÃO POPULAR E PLANTAS MEDICINAIS NA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE
GRASIELE NESPOLI - EPSJV/FIOCRUZ, CAMILA FURLANETTI BORGES - EPSJV/FIOCRUZ


Contextualização
De forma dominante, o cuidado no campo da saúde continua reduzido à dimensão técnica, normativa e intervencionista. Na busca por novos sentidos e práticas de cuidado, a construção do SUS tem caminhado, com avanços e retrocessos, na perspectiva de refundar o modelo de atenção pelos princípios da integralidade, da participação comunitária, da humanização, da equidade, da universalidade, dentre outros. Os processos educativos, nesse contexto, possuem lugar fundamental na disputa por outros sentidos, mas também enfrentam a hegemonia da educação bancária que opera pela colonialidade do poder, do saber e do ser. Destacam-se, na contramão dessa perspectiva, experiências de educação popular que expressam a potência da cultura, da construção compartilhada do conhecimento e da luta pela emancipação humana. A educação popular tem integrado temas sensíveis à reflexão sobre a realidade, a partir de experiências concretas de vida e trabalho. Um desses temas é o das plantas medicinais, que no SUS é objeto de duas políticas: a de Práticas Integrativas e Complementares; e a que leva o próprio tema à frente, a de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Este relato reflete sobre como a educação popular fortalece o cuidado e o circuito da dádiva, a partir da experiência do curso Educação Popular e Plantas Medicinais na Atenção Básica à Saúde, coordenado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio em parceria com Farmanguinhos, unidades técnico-científicas da Fundação Oswaldo Cruz.

Descrição
O curso possui 176 horas de duração, divididas em dezessete encontros presenciais, para trocas e partilhas, e cinco momentos de inserção nos territórios para trabalhos de campo. Possui dois recursos educativos: um livro que ordena a trajetória formativa e um jogo de tabuleiro colaborativo pelo qual quatro agentes de saúde investigam e sistematizam saberes sobre as plantas em um território. Ao longo do curso são feitas reflexões sobre: relação entre cultura e cuidado; racionalidades médicas; práticas de cuidado com plantas; fitoterapia como prática integrativa e complementar, desafios para o cuidado integral e o direito à saúde; saberes populares e modos de preparo de remédio caseiros; ciência das plantas; agroecologia, cultivo, cuidado e saúde. O curso permite a investigação do uso de plantas nos territórios onde os educandos estão inseridos e a sistematização dos saberes de forma coletiva na construção de um herbário que passa pela produção de exsicatas e informações sobre as plantas. São também experimentados os modos de preparo de remédios caseiros como chás, tinturas, pomadas e sais. Ao final do curso é realizada uma mostra aberta à comunidade para apresentação das exsicatas e distribuição de mudas, receitas e preparos com plantas medicinais.

Período de Realização
Desde 2020. Este ano acontece a sexta turma, sendo a segunda presencial.

Objetivos
Formar trabalhadores da atenção básica e lideranças comunitárias para o desenvolvimento de ações de reconhecimento, valorização e integração dos saberes tradicionais e populares de cultivo, coleta, preparo e uso de plantas no cuidado.

Resultados
Foram formados até o momento 105 educandos do estado do Rio de Janeiro. Observamos que os bons frutos se dão em razão da valorização dos saberes populares, das vivências de partilhas e trocas (de receitas, plantas, preparos) e da construção compartilhada do conhecimento. Os educandos levam adiante o cuidado com as plantas, passam a cultivar, preparar seus próprios remédios e a realizar atividades com a população. Foram implementadas hortas em oito unidades básicas de saúde, mas a manutenção das mesmas é um dos desafios relacionados à intensificação do trabalho e da lógica gerencialista na atenção básica que impedem ações com potência emancipatórias e mobilizadoras do envolvimento comunitário.

Aprendizados
O curso amplia a compreensão sobre a importância das plantas para o cuidado, vivenciado nos momentos de acolhimento, trocas e diálogos que favorecem o circuito da dádiva (dar-receber-retribuir) e a construção de outros modos de convivência social, existencial e ecológica, mediante a valorização da diversidade cultural e de práticas anti-utilitaristas e anti-mercadológicas, opostas àquelas que fundamentam o capitalismo colonial.

Análise Crítica
A experiência revela como é possível resgatar o valor da tradição e saberes silenciados historicamente, ressignificando o cuidado pela via da educação popular e do compromisso com um mundo livre da opressão. O processo educativo construído por meio de trocas amplia o circuito da dádiva e a construção de um agir amoroso como forma de reconhecimento mútuo e de confluência em torno de um bem comum. Por essa via, é uma abordagem curricular que, tematizando as plantas, favorece o enfoque da determinação social sobre diferentes aspectos como o cuidado com a terra, a água e o alimento, a reforma agrária, a agroecologia e a soberania alimentar.