Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC16.3 - Atenção à Saúde Sexual e Reprodutiva: desigualdades e estigma

46438 - RELATO DE UM COTIDIANO: MULHERES NEGRAS E RACISMO OBSTÉTRICO NO SETOR PRIVADO
NATHALYA FONSECA CAMARGO - FSP-USP, CARMEM SIMONE GRILO DINIZ - FSP-USP


Contextualização
Essa narração se refere a um caso real de atendimento obstétrico realizado por uma obstetriz que analisa como essa situação repercutiu na vida de uma jovem preta, aqui nomeada como Bamidelê de 25 anos, casada, gravida do seu primeiro filho.
Desde a primeira consulta com o obstetra, Bamidelê relata que a duração de toda a consulta foi por volta de 10min. O médico não a tocou fisicamente, mas realizou afirmações estereotipadas como “Você precisa parar com as drogas!” gerando um desconforto e constrangimento no casal, uma vez que a gestante nega uso de drogas. Suas queixas e dúvidas foram ignoradas, por desinteresse do médico.
Com isso Bamidelê compreendeu a necessidade de trocar de médico e após 3 novas experiencias distintas, decidiu buscar novos perfis profissionais, como de obstetrizes.
Infelizmente o racismo se repetiu, ao entrar no hospital, enfrentou negligência, falta de comunicação e discriminação por parte da equipe médica. Suas queixas de dor foram minimizadas, e ela foi submetida a intervenções médicas desnecessárias, sem consentimento e informação.
A cesariana ocorreu, mas antes do procedimento, questionou a presença da sua equipe, porém tanto a doula quanto a obstetriz foram barradas na entrada do centro obstétrico com a fala “ela não tem cara de ter uma equipe e vocês não parecem profissionais!”. Permanecendo sozinha durante grande parte do procedimento. Seu acompanhante foi autorizado a assistir apenas a saída do seu bebê. Akin nasceu com as marcas da violência, sendo levado para longe de Bamidelê.

Descrição
O racismo obstétrico refere-se à discriminação racial sistemática e aos preconceitos e violências presentes no cuidado pré-natal, parto e no puerpério. Essas formas de discriminação podem resultar em disparidades de saúde e experiências negativas para as mulheres negras.

Período de Realização
As reflexões são oriundas da experiência da autora obstetriz. O fato se deu em fevereiro no ano de 2021, na maternidade de um hospital particular, localizada na zona leste da cidade de São Paulo, Brasil.

Objetivos
Compreender as consequências do racismo obstétrico sobre as vivências gestacionais das mulheres negras.

Resultados
Neste caso, fica evidente a ocorrência de múltiplas formas de racismo obstétrico que impactaram negativamente a experiência de Bamidelê. A ausência de comunicação, a perpetuação e a permanência de estereótipos sociais, que determinam as condições e vulnerabilidades do indivíduo através de sua raça, resultam em violação de direitos, que mesmo assegurados por leis são desrespeitados. A privação de sua rede de apoio emocional, assim como a solidão imposta pela instituição foi suporte para o sentimento de medo e angústia, além da separação prematura de Bamidelê de seu filho, que afetou o vínculo mãe-bebê, interferindo no início da amamentação e no bem-estar emocional de ambos.

Aprendizados
A redução do racismo obstétrico é um desafio, requer a concretização da implementação das políticas públicas voltadas a população negra de forma efetiva em todos os serviços de saúde, promovendo conscientização, sensibilização e ciência das consequências frente a essa violência.
É possível a eliminação das práticas discriminatórias através de diretrizes claras e políticas de tolerância zero para o racismo obstétrico, com mecanismos de denúncia e responsabilização para casos de discriminação.

Análise Crítica
O racismo obstétrico é uma realidade preocupante que afeta negativamente as mulheres negras durante o parto. E mesmo com a escolha de profissionais pretas para esse momento, como forma de proteção, ela não foi isenta de sofrer o racismo estrutural existentes nos serviços de saúde.
O desrespeito e a falta de comunicação com mulheres pretas contribuem para a marginalização e violação de seus direitos e com experiências traumáticas que impactam negativamente o seu bem-estar físico e emocional. O racismo obstétrico também colabora para a medicalização excessiva durante o parto, podendo ser associada as altas taxas de mortalidade materna e infantil entre mulheres pretas.
Essa experiência gerou trauma, com impactos significativos em sua saúde física e mental. Ela é apenas uma entre muitas mulheres negras que enfrentam desigualdades no sistema de saúde, o que ressalta a importância de abordar e combater o racismo obstétrico de forma proativa.
Como profissionais, sabemos que casos como esse não são isolados, porém se entende que é necessário narrar aspectos da história de Bamidelê e da nossa própria experiência ao lidar com tantas dificuldades que se entrelaçam, falar e refletir sobre os atendimentos realizados, é sempre um processo de autoanálise profissional e um recurso pessoal para avaliar o sistema de saúde, pois é pela observação e escuta das mulheres em situação de cuidado que profissionais de saúde conseguem compreender todas as deficiências e desafios apresentados aos quais elas estão expostas.