Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC16.1 - Violência e gênero: perspectivas interseccionais

48005 - NOTIFICAÇÕES DE VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES QUE VIVEM EM CONTEXTOS RURAIS NO BRASIL, 2011 A 2020
LIANA WERNERSBACH PINTO - ENSP/FIOCRUZ, LUCIANE STOCHERO - ENSP/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
A violência contra as mulheres é compreendida como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade étnica, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público quanto no privado”. Esse entendimento de violência encontra-se na Lei 10.778/2003, que estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. O setor da saúde tem um importante papel no enfrentamento a violência contra as mulheres. Os profissionais de saúde são responsáveis pela identificação, acolhimento e escuta atenta/cuidadosa, orientação, acompanhamento e encaminhamento dos casos de violência, bem como seu registro em prontuário e notificação. Segundo o Ministério da Saúde (2017), a notificação constitui um elemento-chave na atenção integral às mulheres, retirando os casos de violência da invisibilidade, prevenindo a violência de repetição e permitindo que a rede de proteção e de garantia de direitos seja acionada e se articule. Quando nos remetemos à violência contra as mulheres que vivem em contextos rurais, precisamos levar em conta as barreiras geográficas devido às grandes distâncias e ausência de transporte público, ou mesmo falta de recursos financeiros para pagar o transporte até os centros urbanos, onde, geralmente, se localizam os locais de atendimento e apoio. Desse modo, esses fatores podem colaborar para a subnotificação dos registros do SINAN e consequente apagamento dessa problemática, o que impacta nas ações de monitoramento e enfrentamento.

Objetivos
Este trabalho tem como objetivo analisar as notificações de violência de mulheres que vivem em contextos rurais.

Metodologia
Estudo descritivo, utilizando como fonte de dados as Fichas de Notificação registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Foram eleitos os casos de violência contra as mulheres de 18 a 59 anos, moradoras da zona rural, no período de 2011 a 2020, de todo o Brasil. Foi realizada uma análise descritiva, a partir de frequências absolutas e relativas, das características sociodemográfica da população de estudo e das características dos eventos de violência. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fiocruz, em 09/05/2022 sob parecer n. 5.395.759. O banco de dados não identificado foi cedido pelo Ministério da Saúde em razão da variável “zona” ser um dado sensível e não ser disponibilizada nos dados abertos.

Resultados e discussão
Foram registradas 79.229 mil notificações de violência contra as mulheres rurais, com idade de 18 a 59 anos no Brasil durante os anos 2011 a 2020. Observa-se que as mulheres mais atingidas por violência tinham a idade de 18 a 29 anos (41,3%), seguidas das de 30-39 anos (30,5%). Quanto a raça/cor, majoritariamente eram pretas ou pardas (51,7%), e em seguida as brancas (34,6%). As mulheres casadas foram a maioria (53,3%), seguidas das solteiras (28,2%). Quase 40% das mulheres não tinham instrução ou tinham o ensino fundamental incompleto. Quanto às características dos eventos, a violência física foi a mais notificada (77,6%), seguida da psicológica/moral (36,5%) e autoprovocada (22,7%). Depois aparecem a violência sexual (6,2%), tortura (4,6%) e financeira/econômica (1,8%). Quanto aos meios de agressão, destacam-se a força corporal/espancamento (59,2%), a ameaça (21,5%), o envenenamento/intoxicação (14,6%) e o uso de objeto perfurocortante (11,9%). O local predominante foi a residência (74,7%), e em relação ao agressor, aponta-se para o parceiro (36,0%), seguido de amigo ou conhecidos (10,2%) e ex-parceiro (8,3%). Sendo masculino (62,9%), o sexo do provável autor da violência, e em 76,2% dos casos tinha uma pessoa envolvida na agressão. Em 43,6% os casos, a violência era recorrente.

Conclusões/Considerações finais
A violência é uma realidade presente na vida e cotidiano de inúmeras mulheres rurais. As análises das notificações de violência contra mulheres rurais adultas apontam especialmente para mulheres de raça/cor preta ou parda, adultas jovens, com baixa escolaridade e casadas. As violências ocorrem preferencialmente no ambiente do próprio lar e pelo parceiro íntimo, não são eventos isolados e, em geral, ocorrem concomitantes a outras agressões. Enfatiza-se que a chegada da mulher ao setor saúde, usualmente, ocorre quando violência chega a extremos, como em casos de lesões físicas, ameaças de morte e em situações de violência autoprovocada, entre outros. A violência é um problema de saúde pública e de direitos humanos e tem impactos negativos na saúde física e mental das mulheres no curto, médio e longo prazo. Dessa maneira, as notificações podem funcionar como uma ferramenta de avaliação dos casos de violência e consequentemente colaborar para a implementação de políticas e ações intersetoriais para seu enfrentamento, levando em conta as especificidades das mulheres rurais.