47995 - COLONIALIDADE E NEOLIBERALISMO NOS PROGRAMAS INTERNACIONAIS DE SAÚDE GLOBAL: UMA ANÁLISE DO COMBATE A DOENÇAS INFECCIOSAS DESDE A MEDICINA TROPICAL CLARA ALVES SILVA - UAEM, GEAN LUCAS DE ARAÚJO ALVES - FLACSO, LUCIANA DE MELO NUNES LOPES - UAEM
Apresentação/Introdução As doenças infecciosas são tradicionalmente objeto de empreendimentos internacionais de saúde desde o período colonial. As estratégias e práticas em saúde pública para responder a essas doenças foram aprimoradas pelos escritórios médicos coloniais de Estados imperiais e instituições privadas, impulsionando uma lógica que reverbera e impacta a Saúde Global até os dias atuais. Sendo populações negligenciadas do Sul Global desproporcionalmente afetadas por essas doenças, questiona-se: é possível realizar um enfrentamento integral e equitativo das doenças infecciosas a partir de paradigmas epistemológicos do Norte Global?
Objetivos Este trabalho tem como objetivo resgatar o processo de desenvolvimento dos modelos de programas internacionais de combate a doenças infecciosas e, adotando como lente de análise as Epistemologias do Sul, refletir sobre as continuidades e limites dessas tradições, bem como os elementos de colonialidade nelas presentes.
Metodologia O trabalho assume, predominantemente, o caráter dissertativo-monográfico. Utilizamos como técnica a coleta, leitura, sistematização e análise de leitura especializada para reconstruir o histórico dos programas internacionais de combate às doenças infecciosas desde projetos coloniais da Medicina Tropical até a ascensão e apropriação pela OMS da abordagem neoliberal de Economia da Saúde, predominante na Saúde Global.
Resultados e discussão A associação entre colonialismo e a medicina moderna foi colocada em prática nos escritórios médicos coloniais, através da Medicina Tropical. Nas Américas, o envolvimento dos EUA na saúde de suas colônias, especialmente na América Latina e Filipinas, teve um papel preponderante no desenvolvimento desse modelo. Foi nesse contexto que as chamadas campanhas verticais de eliminação de doenças foram “aperfeiçoadas”, por meio da forte dependência do poder de coerção colonial, da crença na incapacidade das populações nativas em melhorar sua própria saúde e da priorização da saúde dos colonos frente aos colonizados.
Estratégias de controle de doenças forjadas originalmente no domínio colonial tornaram-se parte da saúde pública ocidental, ganharam repercussão e foram implementadas pelas organizações internacionais de saúde, como a OMS. O contexto da Guerra Fria a necessidade urgente de responder aos problemas de saúde do mundo levaram a OMS a também investir em programas verticais de controle de doenças, como o Programa Intensificado de Erradicação da Malária, de 1955, e o Programa Intensificado de Erradicação da Varíola, de 1967. As campanhas foram baseadas em intervenções biomédicas, a partir de planejamentos fora dos países mais afetados, tendo como premissa a compreensão de que programas bem administrados podem eliminar doenças sem transformar as condições sociais e econômicas do seu local de incidência.
Porém, a conjuntura dos anos posteriores, como a mobilização pela Conferência de Alma-Ata, fez possível uma reorientação em direção a uma abordagem mais ampla de saúde, levando a OMS a adotar campanhas horizontais, como o Programa de Ação em Medicamentos Essenciais e Vacinas, em 1979. Mas esse período foi logo interrompido pela ascensão e consolidação do neoliberalismo em todas as áreas da sociedade, incluindo a saúde. Os programas verticais de saúde pública foram, então, reforçados, com intervenções definidas e implementadas de cima para baixo, sem intervenções estruturais ou participação da comunidade afetada A lógica neoliberal ganhou espaço na OMS e se consolidou na Saúde Global, determinando determinou um padrão de financiamento para iniciativas internacionais de saúde baseado em métricas de custo-benefício da Economia da Saúde. Há predomínio de soluções biomédicas que favorecem não só a indústria privada da saúde, mas também a manutenção de relações hierarquizadas em saúde, fundadas na colonialidade do poder, do saber e do ser
Conclusões/Considerações finais O rompimento com um paradigma epistemológico do Norte Global é fundamental para o planejamento de sistemas e programas de saúde decoloniais, que possam, de fato, garantir um cuidado integral em saúde das diversas populações negligenciadas. Os tradicionais programas verticais desenvolvem-se sobre a mesma base de um conhecimento que é tido como universal, mas que desenvolve-se desde e para o Norte, não alcançando as complexidades e as necessidades do Sul Global. A medicina moderna afirma a autoridade do saber biomédico e a Economia da Saúde afirma a validade das métricas economicista sobre desenvolvimento e saúde. Argumentos sobre custo-benefício e inefetividade de colaboração horizontal reproduzem a colonialidade, pois a partir do estabelecimento de supostos obstáculos culturais, reafirmam a ignorância dos ‘nativos’ do Sul. O resultado é a fragmentação de serviços e a baixa efetividade dos programas. Ao fim, as necessidades dessas populações são, mais uma vez, negligenciadas e elas continuam privadas do direito integral à saúde.
|