47068 - DESAFIOS E APRENDIZADOS AO MINISTRAR UMA OFICINA DE PRÁTICAS CORPORAIS NO CECCO DE NATAL/RN JÚLIA DA SILVA MELO - UFRN, ANA CAROLINA RIOS SIMONI - UFRN
Contextualização O CECCO é um dispositivo porta aberta, alocado na Atenção Básica, que visa à integração dos usuários, por meio de ações de arte e cultura, propondo-se à convivência e à construção de vínculos, em uma perspectiva de promoção da saúde. O quadro de atividades do serviço consistia, na época em que a experiência aconteceu, em aulas de capoeira, práticas teatrais, roda de música, karaokê, pintura de mandalas, confecção de bijuterias, zumba, dança, percussão e alongamento; além da organização de eventos como São João, passeios para teatros, praias, praças e mobilizações em prol da luta antimanicomial na cidade. Os convivas – nome atribuído aos usuários que frequentam o serviço – podem circular livremente e escolher as atividades e os dias para estar no CECCO, nem que seja apenas para tomar um café e encontrar um sofá para descansar.
Descrição Construímos uma proposta de oficina de práticas corporais aberta para todos que estivessem dispostos a participar, que ocorria nas sextas pela manhã com 1h30min de duração. Grande parte dos convivas são usuários dos serviços de saúde mental de Natal, muitos passaram por períodos de internações em hospitais psiquiátricos e acompanham há muito as mudanças na RAPS. Em suas falas, narram as experiências que viveram, forte medicalização, relações hierarquizadas, isolamentos e relatam a diferença de estar no CECCO. Nas oficinas, pode-se perceber as marcas dessas vivências anteriores e as dificuldades que seguem enfrentando. O momento iniciava em uma roda disposta no chão com colchonetes para sentar e com uma pergunta disparadora – Como está o seu corpo hoje? – a partir da qual falavam sobre si e suas percepções corporais. Em seguida, eram propostos uma meditação e alguns alongamentos, com movimentos e explicações que provinham tanto dos convivas quanto das estagiárias que conduziam a oficina. Por vezes, a palavra precisava circular por mais tempo para se falar sobre o corpo e sobre as dificuldades que as medicações infligiam, principalmente no horário da manhã. Os sons do espaço, acabavam integrando os momentos de meditação e ao final de cada oficina os convivas pediam para finalizar com uma música, que os acompanhava desde as práticas corporais propostas no antigo ambulatório de saúde.
Período de Realização Esta experiência se refere a um estágio curricular em Psicologia realizado no CECCO, na Rede de Atenção Psicossocial de Natal/RN, ao longo do primeiro semestre de 2022.
Objetivos Os objetivos eram a conscientização corporal, espacial e a troca com os pares por meio da meditação e alongamentos. Buscou-se promover a autonomia, através da escuta e estimulação de proposições por parte dos convivas sobre as práticas corporais realizadas, integrando com movimentos que já realizavam em seu cotidiano, pois além de estimular a movimentação consciente do corpo na rotina diária, tinha-se como intenção dar espaço para os conhecimentos que já possuíam sobre seus corpos.
Resultados As práticas corporais já faziam, de diversas formas, parte do CECCO, mas a proposta da roda, de falar sobre o corpo, praticar meditações e alongamentos se inaugurou com a nossa iniciativa e seguiu mesmo após o término do estágio, com outra estagiária na condução da oficina. No serviço, a oficina rompe com medos sobre o espaço de fala passar a ser um grupo terapêutico distante da proposta do CECCO e para os convivas produz efeitos no modo com que seus corpos habitam o espaço.
Aprendizados Estar em um lugar no qual o cuidado se faz presente no cotidiano, em que o diagnóstico fica em segundo plano e onde os sujeitos podem se expressar e habitar o local do seu modo, gera um rompimento radical na forma de compreender o fazer da psicologia. Sentir na prática a construção de um saber que se dá a partir do convívio e ser reconhecida não apenas como estagiária, mas como conviva também, coloca em questão o lugar e o papel profissional, impulsiona a novas formas de pensar. O que fazer nesse espaço? Como contribuir? Qual tipo de prática faz sentido? O que pode aí uma estagiária da psicologia?
Análise Crítica Há uma dependência para a realização das oficinas de profissionais voluntários, que se mantêm há mais tempo no serviço, mas não compõem a equipe efetivamente e não participam das reuniões diárias, assim como outras atividades dependem da disponibilidade e do interesse de estagiários. O fato de a oficina ocorrer em roda e todos terem a oportunidade de falar sobre o corpo gerava o receio na equipe de mobilizar os convivas em temas delicados que dizem do sofrimento psíquico, das violências cotidianas, da vida em periferias urbanas, das dificuldades de acesso à cidade, dos efeitos da medicação. Tal receio também se relacionava à fragmentação da RAPS na cidade, agravada após a pandemia de Covid-19 e evidenciada na estrutura física do CECCO, situada em um galpão no terreno do CAPSi, e no déficit de funcionários, ao deixar a equipe sobrecarregada e com dificuldades para acolher o sofrimento dos usuários e pensar em planos terapêuticos integrados com a rede, fatos que refletem um desmonte estrutural na área.
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