46778 - JARDIM MEDICINAL: CULTIVO DO COLETIVO COMO CONVIVÊNCIA NA ESCOLA FLÁVIO HENRIQUE MARCOLINO PAIXÃO - FIOCRUZ, GRASIELE NESPOLI, ARIADNA PATRÍCIA ESTEVEZ ALVAREZ
Contextualização As práticas de cura e de cuidado têm seus saberes enraizados na cultura de todos os povos e muitas delas envolvem o uso de plantas medicinais. Esse uso é marcado pela ancestralidade e por conhecimentos acumulados em experiências empíricas passados de geração em geração. No Brasil, embora o uso das plantas medicinais seja popular e resultante das tradições de povos indígenas, africanos e europeus, há um apagamento desses saberes concomitante ao avanço da indústria farmacêutica articulada ao capital internacional. Todavia, nas últimas décadas, há também um movimento de resgate, valorização e sistematização desses saberes, considerados patrimônio imaterial. Na saúde, em particular, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) abre a possibilidade de integração da fitoterapia no SUS, objetivando promover o acesso seguro, o uso racional de plantas medicinais e o uso sustentável da biodiversidade. Com isso, observa-se um crescimento de experiências que valorizam as plantas medicinais no cuidado, seja por meio de farmácias vivas, cultivo comunitário ou em quintais. Essas duas últimas vias inspiraram a construção do Jardim Medicinal como estratégia pedagógica, de cuidado e de convivência no espaço escolar.
Descrição O Jardim Medicinal da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz teve início a partir do cultivo de plantas de uso popular e da realização de atividades como: rodas de conversa sobre cuidado, agroecologia, saúde e convivência; experimentação dos modos de preparo de remédios caseiros (chás, tinturas, pomadas, compressas etc); herborização das plantas por meio da produção de exsicatas; sistematização dos saberes sobre as plantas; integração da fitoterapia na formação de estudantes do ensino médio integrado à educação profissional em saúde, bem como de trabalhadores como cuidadores de saúde mental, cuidadores de idosos, redutores de danos, doulas e agentes comunitárias de saúde. Ainda em fase de construção, o jardim possuirá identificação das espécies a partir de placas contendo informações de nomes populares e botânicos, além de um QR code sobre suas indicações, propriedades farmacológicas e modos de preparo.
Período de Realização Iniciado em outubro de 2022.
Objetivos Promover um espaço educativo e de cuidado, capaz de resgatar o valor da ancestralidade, da natureza e da convivência na produção da saúde no espaço escolar.
Resultados Existem duas áreas de plantio, uma com área mais sombreada e outra com iluminação mais intensa, espaço que permitiu um crescimento mais significativo. Em nossas aulas, encontros e rodas de conversa, houve uma capilarização da discussão que envolve locais originários das espécies e sua biogeografia. Em uma das áreas do jardim destacou-se o rápido crescimento da planta rasteira de nome popular Trançagem, o que nos permitiu um aprofundamento sobre os conceitos de forrageamento e sua importância na agroecologia. O aparecimento e crescimento da espécie de nome popular “Maria Gorda”, também classificada como PANCs, permitiu observar entre os estudantes um significativo desconhecimento deste grupo de vegetais e sua importância. Percebeu-se que muitos estudantes desejam o contato com a terra, plantar, levar mudas para suas residências e também trazerem plantas de modo a contribuir com o jardim, numa espécie de troca que vai para além do aprendizado obtido e construído a partir das exposições nas aulas.
Aprendizados A partir da experiência com as turmas de ensino médio da escola, ficaram nítidos os saberes já acumulados pelos estudantes pelas relações familiares e comunitárias. Plantas como a arruda e a babosa já fazem parte da vivência dos estudantes, por exemplo. Nota-se, contudo, um desconhecimento de diversas outras plantas utilizadas pelos povos ancestrais e que possuem respaldo científico quanto às suas propriedades farmacológicas, tais como a Erva-baleeira e o Guaco, entre outras. Uma educação decolonial urge neste mundo fraturado, acreditamos que o Jardim e suas plantas nos provoquem a necessárias reflexões sobre os saberes e poderes ancestrais.
Análise Crítica O Jardim possibilitou o fortalecimento da convivência entre os estudantes e também com o espaço escolar e com a natureza. A experiência revela que as plantas medicinais produzem outras formas de vivenciar o cuidado, resgatam a ancestralidade e figuram um importante patrimônio natural e cultural. A palavra cultura em sua etimologia ´Kultur´ significa o ato ou o efeito de cultivar. Engendrou-se uma cultura do cuidado na escola, uma vez que se cultiva um coletivo de cuidadores do jardim, que no ato de cuidar das plantas, cuida de si mesmo e de uns dos outros. Recorrer às plantas medicinais para lidar com as dores vivenciadas pela comunidade escolar envolve uma experiência contra-hegemônica que amplia a análise do processo saúde-doença-cuidado, abrangendo a importância da reforma agrária, da agroecologia, da soberania alimentar, do saneamento, das práticas tradicionais e da participação comunitária para a garantia do direito à saúde.
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