Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO24.1 - Nada sobre mim, sem mim: mulheridades e as iniquidades de gênero na saúde

47320 - DIVERSIDADE E EQUIDADE NA EXPERIÊNCIA DO PROMAIS MENINAS NAS CIÊNCIAS DA SAÚDE
CRISTINA ARARIPE FERREIRA - FIOCRUZ, CRISTIANI VIEIRA MACHADO - FIOCRUZ, EDLA HERCULANO - FIOCRUZ


Contextualização
A consolidação de experiências de formação de jovens pesquisadoras tem sido objeto de projetos de pesquisa, reflexões e ações educativas no âmbito das Ciências Sociais e Humanas, constituindo-se em um importante campo de estudos interdisciplinares. Neste contexto, as experiências acumuladas pela Fundação Oswaldo Cruz vêm sendo pautadas pela necessidade de fortalecimento de iniciativas que possam ampliar e aprofundar quantitativa e qualitativamente saberes e práticas formativas voltadas para a promoção da equidade e justiça social, radicalizando-as tanto em relação aos objetivos das políticas afirmativas na área da educação formal, quanto no que tange a educação popular em saúde. A amplitude e a envergadura da proposta que tem orientado as ações institucionais da Fiocruz têm buscado, entre outros objetivos, reconhecer que histórica e culturalmente as práticas científicas estão circunscritas a um mundo social que não inova e não rompe com pressupostos atrelados aos preconceitos e valores que colocam a ciência moderna como uma conquista europeia, de homens brancos, biológica e sexualmente dominantes.
Em que pesem as transformações sociais nas últimas décadas, as desigualdades de gênero ainda são marcantes no cenário global, entre nações e dentro de nações, imbricadas a outras dimensões das desigualdades: territoriais, de classe, de renda, étnico-raciais, entre outras. Desigualdades entre homens e mulheres se expressam nos vários âmbitos da vida social, inclusive na política, na ciência e na saúde, com sub-representação de mulheres em espaços de poder e de prestígio.
A pandemia de COVID-19 exacerbou muitas desigualdades estruturais, inclusive de gênero. As mulheres representam a maior parte da força de trabalho em saúde e estiveram na linha de frente do enfrentamento da pandemia. Na América Latina as mulheres sofreram de forma acentuada com a retração dos postos de trabalho, especialmente no setor informal. Estiveram ainda mais sobrecarregadas como os serviços domésticos, devido aos cuidados com as crianças e com familiares que adoeceram. Além disso, estudos mostraram um aumento da violência doméstica contra mulheres.
O trabalho apresenta a experiência de implementação pela Fiocruz do Programa Mulheres e Meninas na Ciência, desde sua criação, em 2019, até os dias atuais (junho de 2023). Busca-se explorar as iniciativas implementadas no período, suas fortalezas e dificuldades, visando identificar ações que podem ser adotadas por outras organizações e desafios a serem enfrentados no âmbito institucional e das políticas públicas, para reduzir desigualdades e alcançar maior equidade no campo científico.

Descrição
O Programa Mulheres e Meninas na Ciência da Fiocruz, lançado em 2019, organiza-se em três eixos: valorização das mulheres cientistas; incentivo às meninas na ciência; realização de análises e estudos sobre desigualdades de gênero, ciência e saúde. O primeiro eixo envolve iniciativas de memória institucional que valorizam a trajetória das cientistas e trabalhadoras da Fiocruz, buscando dar visibilidade às contribuições dessas mulheres e aos desafios por elas enfrentados. Envolve também ações de redução de barreiras à carreira das mulheres e de promoção da equidade nas atividades institucionais. O segundo eixo -“Mais Meninas na Ciência” - compreende iniciativas voltadas à inclusão e incentivo ás meninas na ciência, principalmente em parceria com escolas do ensino fundamental e médio. O terceiro eixo concerne à realização estudos e análises sobre desigualdades de gênero e ciência, em sua intersecção com as múltiplas dimensões das desigualdades, envolvendo a promoção de debates, pesquisas, publicações, ações de mobilização interna e externa.

Período de Realização
Da implementação do Programa até junho de 2023. As principais ações envolvem a criação do Programa, a sua implantação por meio de chamadas e mobilização de pesquisadoras e estudantes em 2019, 2020, 2021 (formato virtual), 2022 (formato híbrido) e 2023 (Imersão no Verão).

Objetivos
O objetivo do Programa é promover a equidade de gênero na ciência, visando subsidiar políticas institucionais voltadas para a inclusão e diversidade e, no contexto da pandemia de Covid-19, contribuir para o enfrentamento de desigualdades que multiplicaram-se, criando novas disparidades e injustiças.

Resultados
No decorrer de quase cinco anos de implementação, observou-se expressiva expansão das atividades do Programa nas três vertentes e progressivo envolvimento das unidades da Fiocruz, em todo o território nacional. O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado na Fiocruz a partir de 2019, passou a mobilizar cada vez mais pessoas e atividades.

No eixo de valorização das mulheres trabalhadoras, foram produzidos um curta metragem e diversos vídeos com trajetórias de mulheres cientistas, além da incorporação da consideração da maternidade nos editais de pesquisa internos. O eixo “Mais Meninas na Ciência” foi o de maior crescimento e capilaridade nacional: todas as unidades e escritórios da Fiocruz desenvolveram no período ações, abrangendo milhares de meninas em todo o país. Já as atividades do eixo de análises e estudos envolveram publicações técnicas e científicas, bem como uma grande quantidade de debates, internos e externos.

Aprendizados
- Equilíbrio entre coordenação central e ações descentralizadas;
- Importância das instâncias colegiadas na proposição coletiva de prioridades e atividades;
- Importância do fomento financeiro às atividades, ainda que em valores relativamente pequenos;
- Mobilização política de dirigentes no âmbito do Conselho Deliberativo da instituição, instância hierárquica superior;
- Associação entre as três vertentes foi essencial ao favorecer o diálogo intergeracional e a articulação entre reflexões teóricas e ações práticas;
- O Programa tanto foi favorecido pela experiência prévia (Comitê Pró-equidade de Gênero e Raça, 2009), como motivou novos movimentos e inciativas, incluindo ações coordenadas junto aos movimentos sociais (ex. Coletivo 8M) e a criação de uma Coordenação de Diversidade, com forte viès de inclusão de jovens;
- A liderança e o empenho de mulheres foi fundamental no processo, desde a Presidente, até as estudantes envolvidas, tornando-se monitoras das atividades em anos seguintes.
- O Programa foi disparador de novas demandas.


Análise Crítica
O Programa Mulheres e Meninas na Ciência na Fiocruz sintetiza e representa a entrada da promoção da equidade de gênero na agenda de prioridades da instituição. A sua construção foi favorecida pelos seguintes fatores: a experiência prévia do Comitê Pró-equidade de Gênero e Raça desde 2009, que vinha destacando problemas não equacionados; a presença de uma mulher, no cargo de Presidente, pela primeira vez em quase 120 anos história; a mobilização de diretoras de unidades mulheres no Conselho Deliberativo para a expansão de ações nesse âmbito; a agenda internacional em torno do tema, incluindo novas parcerias interinstitucionais.
Se esses fatores foram decisivos para a criação do Programa, elementos adicionais impulsionaram sua implementação acelerada e transversalidade nos anos seguintes. Destaque-se a rápida adesão de um expressivo número de dirigentes e pesquisadoras das diferentes unidades da Fiocruz, associada a estratégias de coordenação, de governança e de articulação interna e externa. Nesse sentido, houve designação de área responsável na Presidência, e a constituição de um grupo de trabalho específico, ligado ao Fórum de Divulgação Científica.

Em que pesem os avanços, as mulheres ainda estão subrepresentadas nos espaços de poder, e ainda há imensos desafios relacionados a maior presença de mulheres negras, indígenas e com deficiência, cujo número e proporção são muito baixos no quadro de trabalhadores da instituição. Ademais, problemas presentes na sociedade, como o machismo e o desequilíbrio na divisão de tarefas entre homens e mulheres, continuam a se expressar não apenas nos lares, mas também nos espaços institucionais.
A superação das desigualdades estruturais que se somam à crise exacerbada pela pandemia exige políticas públicas abrangentes, estratégias institucionais e ação coletiva nas diversas esferas da sociedade.