01/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO24.1 - Nada sobre mim, sem mim: mulheridades e as iniquidades de gênero na saúde |
46515 - "MARIAS" ENTRE A LITERATURA E A VIDA REAL: UMA DISCUSSÃO SOBRE INTERSECCIONALIDADE E SAÚDE COLETIVA A PARTIR DA LITERATURA DE CONCEIÇÃO EVARISTO SANDY HELLEN DE LIMA CAVALCANTE SANTOS - UFAL, MILENA DA SILVA MEDEIROS - UFAL, ANA CLARA DE ALMEIDA ROCHA - UFAL
Contextualização A Saúde Coletiva é um campo de saberes e práticas que precisa considerar determinantes sociais como gênero, raça e classe para se pensar sobre a construção de políticas públicas de planejamento e promoção em saúde. Tais marcadores sociais podem ser compreendidos a partir do conceito de interseccionalidade. Com interesse em construir um diálogo comprometido com a realidade sócio-histórica do país, este trabalho discute as noções de saúde coletiva, interseccionalidade, raça, classe e gênero percebidas no conto “Maria”, presente no livro Olhos d’água (2016), de Conceição Evaristo, escritora e ativista negra que teve a infância marcada pela pobreza nas periferias de Belo Horizonte. Em “Olhos d’água”, obra literária composta por 15 contos que contam histórias de diferentes protagonistas, a autora tece diálogos entre vida e literatura e denuncia como marcadores de raça, classe e gênero atravessam os(as) personagens e escancaram as marginalizações que operam nos corpos de mulheres e homens negros(as) e pobres.
Descrição A escrita de Conceição Evaristo é marcadamente política e atravessada pela sua história de vida. Para a autora, a literatura produz diálogos entre história e memória e ambas se correlacionam como elementos constitutivos da literatura e da vida. Suas obras permitem perceber a realidade íntima de sujeitos que têm seus corpos subalternizados diariamente pela violência, pela falta de acesso à educação, saúde coletiva e assistência social e, por isso, propomos discutir as relações de intersecção entre gênero, raça, classe e a construção da saúde coletiva partindo da história do conto “Maria”.
Período de Realização Esse relato de experiência surge a partir do nosso contato com as obras de Conceição Evaristo durante a disciplina de Intervenções em Processos Socioculturais em 2022 no curso de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, onde trabalhamos contos do livro “Olhos d’água” e discutimos possíveis articulações entre as histórias e redes SUAS e SUS.
Objetivos Este relato de experiência objetivou refletir sobre as articulações entre gênero, raça, interseccionalidade e saúde coletiva a partir do conto “Maria” de Conceição Evaristo e, também, discutir a importância de apontar as interseccionalidades entre marcadores sociais ao propor debates sobre promoção à saúde coletiva.
Resultados O conto “Maria” traz a história protagonizada por uma mulher negra periférica, pobre, mãe solo e trabalhadora doméstica. Ao longo da obra, percebemos que a narrativa de Maria não é meramente ficcional, ela é uma das diversas mulheres negras cotidianamente atravessadas pelo racismo, machismo e pela pobreza. O conto narra como as interseccionalidades atravessam o corpo de Maria e como o difícil acesso à saúde, ao cuidado, à assistência social a obriga a desenhar sofridos percursos de sobrevivência, que reverberam as marginalizações das quais seu corpo é vítima. Ao fim do conto, seu corpo é descrito como dilacerado e pisoteado: a imagem do corpo em pedaços remete ao corte feito pela faca a laser, agora distribuído em sua carne. Para além dessa cena, percebe-se que Maria morreu várias vezes: pelo cansaço diário em criar os filhos sem assistência de saúde, emocional ou financeira, morreu na felicidade em acreditar que levaria os restos de comida da patroa para os filhos, morreu ao decidir voltar para casa a pé para economizar a passagem, morreu ao assistir o filho adoecido, sem acesso à assistência de saúde ou medicação. As mortes de Maria denunciam a necessidade de pensar como a interseccionalidade atravessa os corpos dos sujeitos e de como discussões de raça, classe, gênero precisam ser reverberadas quando tratamos sobre promoção à saúde pública, à saúde coletiva.
Aprendizados “Maria” instiga a reflexão sobre a necessidade de se pensar a realidade social, acesso à renda, moradia e educação, quando tratamos sobre perspectivas de saúde coletiva. Se pensarmos em saúde coletiva sem considerar como os marcadores de raça, classe, gênero e sexualidade operam socialmente na sustentação das desigualdades sociais, estamos produzindo saúde para quais grupos sociais?
Análise Crítica As várias mortes de Maria se encerram no pisoteamento de seu corpo. Uma cena de denúncia ao extremo grau de subalternização que um corpo humano pode vivenciar. Maria foi batizada pela autora do conto com um dos nomes mais populares entre mulheres no Brasil e carregou também o nome da autora que lhe deu vida, Maria de Conceição Evaristo. A morte de Maria remete às tantas outras mulheres negras marginalizadas que cotidianamente cruzam com a morte, seja da carne, do corpo-vivo ou a morte pela necropolítica, que atravessa o corpo de mulheres negras e pobres quando a saúde pública se nega a perceber as particulares desses corpos, que silencia e impossibilita que muitas das mulheres consigam denunciar o precário acesso à saúde pública, coletiva e à assistência social no país. A quem se propõe servir a saúde pública e coletiva no país enquanto negligenciarmos as vidas e mortes cotidianas das “Marias”?
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