Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO21.1 - Modos plurais e resistências na atenção à saúde indígena

46593 - MODELO E PRÁTICAS ASSISTÊNCIAIS NO SASISUS: PERFORMATIVIDADE E IMPLEMENTAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA.
ROBERTA AGUIAR CERRI - ILMD/FIOCRUZ, LUIZA GARNELO - ILMD/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
A análise de implementação de práticas de atenção básica na saúde é um tema de relevância na área da saúde coletiva e em particular na saúde indígena, dadas as especificidades culturais e operacionais dessa. A compreensão dessas dinâmicas cotidianas é fundamental não somente para uma análise mais abrangente da política de saúde indígena como também nos oferece subsídios para uma reflexão aprofundada sobre interações entre serviços de atenção básica, trabalhadores e comunidades não urbanas na Amazônia.
O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASISUS) tem adotado critérios de planejamento e indicadores de gestão nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), que guardam semelhanças com os modelos adotados na atenção básica não indígena. Além disso, órgãos de controle fiscal relataram o aumento do orçamento do SASISUS, sendo direcionado principalmente para convênios para contratação de profissionais de saúde o que resultou em aumento dos atendimentos realizados no Subsistema (CGU, 2020; TCU, 2019).


Objetivos
Este estudo tem como objetivo compreender os princípios que orientam as práticas sanitárias realizadas por esses profissionais em comunidades indígenas. Ao analisar o modus operandis que guia tais práticas, pretendemos contribuir para a compreensão dos desafios enfrentados na implementação da política de saúde indígena como um modelo de atenção integral e diferenciado.


Metodologia
A pesquisa é de natureza etnográfica e foi realizada em um DSEI no Amazonas. A coleta e análise de dados foram guiadas pela abordagem conceitual e metodológica de etnografias em organizações explorada por Teixeira e Castilho (2020) a qual busca compreender as dinâmicas, valores e significados compartilhados pelos membros de uma organização/instituição. Utilizamos também a abordagem do ciclo de políticas proposta por S. Ball (1994), que relaciona processos macro e micro em três contextos sobrepostos: produção de textos, influência de atores e práticas. Além disso, utilizamos o conceito de "performatividade", explorado por Ball (2005), como chave analítica para compreender as práticas assistenciais no SASISUS. Esse termo se refere à utilização de desempenhos individuais ou organizacionais como parâmetros de produtividade, resultados ou qualidadede em uma instituição.


Resultados e discussão
O estudo constatou que as equipes de saúde estudadas seguem dois eixos principais de gestão do trabalho: atenção programática e demanda espontânea. A atenção programática envolve ações fracionadas de programas da Atenção Básica, priorizando a obtenção de dados de desempenho para métricas quantitativas de produção, em detrimento da avaliação contínua. Tal ênfase, somada à sobrecarga de trabalho e ausência de orientações que guiem as práticas dos profissionais, leva à fragmentação dos protocolos, comprometendo a integralidade das ações.
No caso da demanda espontânea, os atendimentos são divididos em consultas clínicas e atendimentos de urgência e emergência. Devido à falta de médicos, enfermeiros realizam as consultas mimetizando o atendimento clínico tipo queixa-conduta e gerando registros para alimentar planilhas de produção. Já os atendimentos de emergência são recorrentes e tomam parte expressiva das horas de trabalho dos profissionais. Porém, não são institucionalmente reconhecidos como parte do processo de trabalho dos Polos-Base que, por funcionarem como unidades básicas não detêm perfil de resolutividade para tais situações.
Práticas assistenciais que destoam do trabalho prescrito são realizadas por iniciativa individual dos profissionais que buscam compreender as necessidades e condições de saúde das pessoas e desenvolver ações preventivas e de promoção à saúde. Porém, essas abordagens não se adequam ao padrão de gestão estabelecido e, portanto, são realizadas de acordo com decisões pessoais, incompatíveis com as ferramentas de gestão preconizadas no SASISUS.
A análise do cenário e a percepção dos profissionais revelam uma organização de trabalho voltada para a performatividade em detrimento do tempo dedicado às pessoas. A obsessão pelo preenchimento de formulários e o tempo gasto nisso afetam a autonomia e criatividade dos trabalhadores. Além disso, os atendimentos de emergência, frequentes em áreas indígenas, não são considerados marcadores de produtividade pelos instrumentos de gestão, e tão pouco são tomadas medidas administrativas para atender a essa necessidade recorrente dos usuários indígenas.


Conclusões/Considerações finais
Conclui-se que o modelo gerencial atual focado na produção quantificável e registrável, simplifica e padroniza as tarefas, impedindo a implementação de um modelo integral e intercultural na política de saúde indígena. Os dados evidenciam a necessidade de rever e ampliar o perfil de resolutividade das unidades de saúde no DSEI. Ademais, estratégias efetivas devem ser implementadas para aprimorar o modelo de gestão, os processos de trabalho e os instrumentos de registro, a fim de ampliar a qualidade da atenção e mensurar a efetividade das ações de saúde indígena.