Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO5.1 - Gênero, sexualidades, identidades e o cuidado em saúde

46588 - PRAZER, RISCO E CUIDADO: (DES)CONTINUIDADES NAS RELAÇÕES AFETIVO-SEXUAIS ENTRE HSH USUÁRIOS DE PREP
LUÍS AUGUSTO VASCONCELOS DA SILVA - UFBA, SANDRA ASSIS BRASIL - UNEB, FILIPE MATEUS DUARTE - UFBA, LITZA ANDRADE CUNHA - UFBA, MARCELO EDUARDO PFEIFFER CASTELLANO - UFBA


Apresentação/Introdução
Apesar dos novos casos de HIV/aids entre jovens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), observa-se o otimismo da comunidade científica, principalmente com evidências recentes, no campo biomédico, de que uma pessoa vivendo com HIV, quando em tratamento com antirretrovirais e com carga viral indetectável, não transmite o vírus durante suas relações sexuais. Destaca-se também outra tecnologia biomédica de prevenção, a profilaxia pré-exposição (PrEP), que pode reduzir significativamente o risco de infecção por HIV. Mais especificamente no que concerne à PrEP, de acordo com diferentes pesquisas, essa tecnologia parece ter reconfigurado as interações sexuais entre homens, possibilitando maior satisfação sexual, intimidade, sensação de maior segurança e tranquilidade nas situações em que a camisinha não está presente ou diante de contextos em que há dificuldades para a negociação do seu uso. No entanto, é importante considerar a persistência de conflitos/tensões ou ambivalências que coexistem nesse cenário de avanços biotecnológicos.

Objetivos
A partir de diferentes trajetórias de pesquisa (pré e pós-PrEP), pretende-se discutir algumas mudanças e controvérsias/tensionamentos em relação ao risco, prazer e cuidado entre jovens gays/HSH usuários de PrEP.

Metodologia
As reflexões aqui apresentadas partem de duas pesquisas. A primeira, sobre o sexo sem camisinha entre homens, mais precisamente sobre o barebacking (Silva, 2008), em um contexto de interação sexual pré-PrEP. A segunda, sobre o uso de PrEP entre jovens HSH, travestis e mulheres trans, de 15 a 19 anos, de Salvador-Ba, em que foram realizadas 20 entrevistas semiestruturadas com jovens HSH, entre os anos de 2019 e 2020. Para análise desse material, como parte de uma rede de relações, conferimos à PrEP sua “actância”, ou seja, sua condição como ator e sua capacidade de produzir deslocamentos, movimentação, fazendo a diferença no fluxo de ação de outros atores (Latour, 2012). Para a leitura/interpretação desse material/narrativas, colocamos em pauta as dimensões do sexo/prazer e do risco para além de uma racionalidade biomédica e das ideias de “controle” e “escolha” em torno da prevenção e cuidado à saúde (Mol, 2008), principalmente no que diz respeito às ideias de “sexo seguro”. Aqui, daremos destaque às práticas ou cenas cotidianas em que interagem pessoas, parceiros, tecnologias, símbolos, fantasias, etc; portanto, à fluidez, multiplicidade, instabilidade e imprevisibilidade da própria prevenção/cuidado.

Resultados e discussão
Em um momento anterior ao surgimento da PrEP, é importante enfatizar que essas práticas sem camisinha se davam em “uma região fronteiriça de tensão entre o prazer do contato sensorial e o risco de infecção [por HIV]” (Silva, 2009b, p. 694). Por sua vez, o prazer do risco não significava, necessariamente, movimento intencional/consciente em direção ao HIV, comumente conhecido em inglês como bug chaser. O que se colocava em primeiro plano era um “excedente de prazer” produzido através da violação de fronteiras ou separação dos corpos; e por conseguinte, a valorização de um sexo sem barreiras. Em um contexto de emergência de novas tecnologias de prevenção, como a PrEP, parece que os sentimentos de medo, ansiedade e culpa passaram a ser atenuados, com os usuários sentindo-se encorajados a explorar outras práticas sexuais, ainda que conflitos morais continuem a ocorrer. Por outro lado, se a PrEP pode aumentar a sensação de segurança e de liberdade, é preciso destacar que diferentes estratégias ou métodos de prevenção podem ser acionados (inclusive a própria camisinha) mediante as contingências e atores envolvidos no encontro sexual. Apesar desses avanços, o engajamento no uso da PrEP reproduz também estigmas em relação aos seus usuários. São conflitos morais que persistem e que tensionam as práticas e interações sexuais, quando gays continuam a ser posicionados como excessivos, promíscuos ou como sujeitos de risco.

Conclusões/Considerações finais
Para além do risco de outras IST, o sexo sem camisinha se coloca ainda como uma questão moral no cotidiano de gays e outros HSH. São discursos/práticas que acabam por patologizar e medicalizar comportamentos, desconsiderando a complexidade das práticas sexuais e significados implicados no sexo. Por sua vez, mesmo nas práticas sexuais sem preservativo, de contato com o esperma ou sêmen de outro homem, há formas situadas ou contingentes de cuidado para além das práticas e discursos biomédicos. Finalmente, como sustenta Annemarie Mol, dentro da lógica do cuidado, é importante enfatizar a imprevisibilidade dos corpos e da própria vida, assim como as particularidades/diferenças e condições em que vivem as pessoas/coletivos.