01/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO5.1 - Gênero, sexualidades, identidades e o cuidado em saúde |
46153 - O CORPO TRANSEXUAL EM UM CONTEXTO DE ASSENTAMENTO RURAL E SUA BUSCA POR IDENTIDADE ERIKA CAROLINA FERNANDES LIMA - SECRETARIA DE SAÚDE DE CARAPICUÍBA, EDEMILSON ANTUNES DE CAMPOS - EACH/USP
Apresentação/Introdução São muitas as lutas que travam as pessoas transexuais no Brasil e no mundo por espaços e conquistas de direitos e identidade. No Brasil temos avançado em algumas políticas públicas que reconhecem a necessidade de inclusão da diversidade sexual, de gênero em instituições, organizações, sejam públicas ou privadas, mas se trata de um público que convive diariamente com uma realidade de marginalização, exclusão e não aceitação em seus convívios. São muitas as situações de conflitos familiares, interrupção dos estudos, dificuldades de inserção no mercado de trabalho e, tais circunstâncias podem ser enfrentadas em uma diversidade de contextos. Porém, quando se trata de um assentamento rural, que não possui uma contextura de fácil entendimento, é preciso lidar com outras lutas que perpassam a luta por terra e sobrevivência. O Assentamento Mandacaru é reconhecido na região do Semiárido São Francisco por sua representatividade na produção de alimentos orgânicos e pela presença forte da mulher na atuação junto à luta por direitos e pela autonomia e identidade como mulheres assentadas e empoderadas. Porém, há ainda luta por dignidade, segurança, respeito e identidade, como homem trans, por parte dos moradores do local.
Objetivos Compreender a experiência corpórea de um homem transexual no contexto em que vive.
Metodologia Trata-se de um corte de uma pesquisa de doutorado, defendida em 2021, de caráter qualitativo de abordagem etnográfica buscando compreender, a partir da observação, as relações entre corpo e práticas de cuidados em saúde de mulheres que vivem no Assentamento Mandacaru. A pesquisa se deu no período de 2016 a 2020 sendo submetido ao Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.
Resultados e discussão O objetivo da pesquisa era compreender a vivência e experiências das mulheres assentadas, porém na comunidade vivia um jovem transexual, de 22 anos que fez questão de participar da pesquisa. Angico, seu pseudônimo na tese, nasceu biologicamente do sexo feminino e representa uma luta pela população LGBT+, mas é muito mais, é luta por sobrevivência à violência. Ele sofreu violência sexual aos 09 anos e, após o ato, mudou e não se reconheceu mais dentro daquela identidade feminina. Passou a odiar o próprio corpo, mutilá-lo, aniquilá-lo. Foram várias as tentativas de suicídio. Seu corpo é marcado pela dor, cicatrizes que não estão presentes apenas no corpo físico, mas também na alma. Foram anos sem compreender a própria identidade enfrentando internações psiquiátricas, depressão e preconceito, só sabia que não queria mais ser mulher. Quando compreendeu que era um homem transexual passou por pressão social e familiar intensa e vieram outras tentativas de suicídio. Angico tem vivenciado uma luta intensa para romper com as práticas culturais que regem as atribuições sociais ao seu corpo. Questionado se tinha raiva de ter útero respondeu que sim, que tinha muita raiva, assim como dos seios, mas que vive um dia de cada vez, e que, desde aquele ato de violência, sente-se preso, limitado, inaceitável a si próprio. A pele foi o primeiro lugar de autopunição em que descontava sua angústia, sua frustração, raiva, foi na pele que expressou suas primeiras dores. Le Breton (2010), em seu estudo sobre escarificações na adolescência, afirma que a pele enraíza o sentimento de si dentro desse corpo que individualiza e exerce uma função de contenção. Ou seja, envolve não apenas a pessoa, mas estabelece uma fronteira entre o dentro e o fora. Ainda para Le Breton (2010), é na pele que se projeta uma identidade ou encarcera em uma identidade insuportável da qual se deseja abdicar e, isso, leva às lesões corporais deliberadas. A lógica patriarcal permeada na sociedade permitiu que Angico fosse mais uma criança violentada dentro de casa por alguém próximo. A mãe, ao tomar conhecimento, separou-se do companheiro, passando a sofrer tanto quanto a filha. O corpo é o lugar de maior sofrimento de Angico, em que vivencia uma diversidade de experiências e luta por respeito e identidade e visibilidade. Angico sobrevive apenas para ser quem é.
Conclusões/Considerações finais A violência contra a mulher se configura como uma das formas mais agressivas do patriarcado (expressa no machismo) apoiada e consentida cotidianamente através de meios que supervalorizam o homem e inferioriza a mulher e, esse contexto, impactou de forma profunda o corpo e a vida de Angico levando-o à perda de si mesmo até o reencontro com sua própria identidade.
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