47778 - INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE EM PORTO ALEGRE ANGELICA FERREIRA FONSECA - EPSJV/FIOCRUZ, CAROLINA SANTANA KRIEGER - GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO, MARCIA VALÉRIA MOROSINI - EPSJV/FIOCRUZ, CARLA CABRAL CARNEIRO - EPSJV/FIOCRUZ, FILIPINA CHINELLI - EPSJV/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução No contexto histórico recente, a reestruturação produtiva tem sido associada à intensificação do trabalho. Ainda que não exista uma definição precisa, a noção de intensificação aponta para um processo que vem ocorrendo com regularidade, ao longo do tempo e que diferentes países e distintos contextos sociais compartilham, implicando crescente demanda de energia do trabalhador, promovendo maior desgaste e adoecimento. Esse montante de energia “a mais” não é requerido somente pela variação nos tipos de atividades desempenhadas; ocorre também face à diminuição do efetivo de trabalhadores, como pode acontecer na saúde. A intensificação é um processo complexo, constituído pela articulação de modos de gerir e organizar o trabalho, combinados com instrumentos incorporados na realização das atividades. Entre os fatores que geram intensificação, destacam-se: expansão carga horária de trabalho; ritmo das atividades; formas de controle e avaliação, incorporação de tecnologias e de novas atividades e constante renovação de conhecimentos. Teoricamente, a intensificação do trabalho pode ser entendida como inerente aos sistemas baseados na acumulação, mas sofrem constantes atualizações. No SUS, o modelo gerencialista e a pressão por eficiência promovem políticas que resultam em maior intensificação. Registramos aqui que especialmente na enfermagem a força de trabalho é predominantemente feminina e composta por pretas e pardas.
Objetivos Na pesquisa Desafios Trabalho na Atenção Primária à Saúde na Perspectiva de Trabalhadores, investigamos o processo de intensificação do trabalho na APS No presente trabalho trazemos resultados relativos ao município de Porto Alegre
Metodologia A pesquisa comporta uma dimensão qualitativa, com entrevistas com os trabalhadores da ESF e quantitativa, de levantamentos feitos na base CNES. As entrevistas foram realizadas entre junho/2022 e maio de2023
Resultados e discussão A ampliação das práticas tem se dado por diversas vias. Além de novas doenças (Zika, Chikungunya e Covid), as entrevistadas relatam o aumento e o agravamento de casos de saúde mental. Isso repercute sobre o volume de atividades de vigilância, educação em saúde ou cuidado “a agenda não é mais programada, isso é muito cansativo... parece um trabalho sem planejamento, antigamente que se fazia com mais tempo” (enf.). Os dados sobre o número de profissionais por equipe também indicam que a força de trabalho é inferior às necessidades do modelo territorializado, comunitário e multiprofissional preconizado pela ESF. O município conta com 441 ACS para 317 equipes ESF, numa média de 1,4 ACS/ equipe: “ficou, bem pesado, ficamos em pouquíssimos. A gente trabalha apagando fogo... é muito serviço” (ACS).
As mudanças tecnológicas acarretaram um conjunto de práticas agrupáveis em duas vertentes mais visíveis: o registro de informações nos sistemas e a comunicação contínua com usuários, membros de equipe e chefias por WhatsApp. “Eu uso muito, tenho grupo do dia, da noite, da enfermagem, a gente avisa de consultas, busca ativa... a comunidade usa pra brigar, para xingar...”(técnica de enfermagem). “A cada atualização do eSUS a gente perde as informações dos pacientes” (ACS). Sobre os processos de qualificação, a responsabilidade também é individualizada “Quem treina os colegas somos nós mesmos, não tem atividade de qualificação pela casa. Eu estou usando o tempo fora do trabalho e fazendo curso online” (enfermeira).
O processo de terceirização avança na APS. Atualmente a prefeitura é responsável direta por somente 5 das 135 UBS. A gestão terceirizada em POA se concretiza por meio de contratos, que estabelecem indicadores e metas, existem mecanismos de avaliação, feedback por plataforma. A impessoalidade dos processos de gestão tem operado a supressão do espaço diálogo entre profissionais e reduzido o potencial de aprendizado por meio da troca de experiências. A redução da avaliação do trabalho ao alcance de metas é um forte indutor da intensificação do trabalho.
A forma de contratação mais praticada é a intermediada por ente privado. As formas de contratação não são, necessariamente, produtoras diretas de intensificação, mas estabelece as circunstâncias de insegurança que tornam mais difíceis as reivindicações por melhores condições de trabalho
Conclusões/Considerações finais Todos os fatores vinculados aos processos de intensificação estão presentes no município. A autonomia dos entes federados, associada à descentralização que deveriam ser dispositivos para atender as necessidades de saúde, potencializam o desenho de ações que aprofundam a precarização do trabalho da qual a intensificação é componente central.
De acordo com a PNS/IBGE, aproximadamente 70% dos usuários da APS são mulheres e 60% preta ou parda. Existe similaridade entre quem faz o SUS e quem usa a APS. Isto nos leva a refletir, por um lado, sobre o grau de exploração do trabalho neste nível de atenção, bem como no seu potencial para o inverso, ou seja, ser um espaço para a efetivação do direito a saúde e de realização da potencialidade humana
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